domingo, 6 de dezembro de 2015

O DONO DO CORPO

Foi Gilsinho quem me contou na feira, hoje mesmo, aqui do Vale do Capão, entre as conversas de preocupação com os incêndios (que pra Deli, só vão parar mesmo na hora em que a chuva pare de só beijar de passagem os campos e fique um pouco mais acariciando as serras), vendendo um cafezinho para um, para outro, e bolos e pão de queijo que Dalva faz feliz.

Gilsinho é dessa gente cuja conversa nunca é de se jogar fora, mas muito de verdade que fala o faz disfarçado em riso e piada. Por isso diz o que crê e pensa, o que quer e pode, sem ofender. É homem de não ferir ninguém, evita, não por medo, mas por natureza própria. Disse para mim que quem falou para ele foi o pai, que por usa vez aprendera de um velho bem velho amigo.

Primeiro me perguntou (e aos demais ao redor) quem é o dono do corpo e eu (e ninguém) soube responder. Então explicou que cada órgão um dia contava para todos saberem suas funções e qualidades. A boca falou do comer e do falar, o nariz do respirar e saborear o cheiro das coisas, os ouvidos dos sons e do alerta que podem trazer, a cabeça do elaborar os pensamentos que no corpo crescem e por aí vai... apenas o 150 calou, mas agiu e se fechou.

E o corpo ficou um tempo sem descomer. Adoeceu, inchou, sofreu, e foi piorando e piorando. Enquanto se “distinhorava” o médico foi chamado e percebeu o mal.
Com muito cuidado abriu o ânus e este permitiu o esvaziamento do corpo. Foi assim que todos os órgãos tiveram que render homenagem ao dono do corpo, o cu.

Recebam um abraço em gargalhada de Aureo Augusto.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

PREVENÇÃO DOS INCÊNDIOS - A VOZ DAS MULHERES DAQUI

Os incêndios ainda castigavam a Chapada e ao redor do Morro Branco, a imponente pedra vertical que tenho bem defronte de minha casa, quando comecei este texto. A turma que labutava na intenção de apagar as chamas se exauria sem sucesso definitivo. Em um momento parecia que passou, mas no fundo das profundas fendas que caracterizam a região dormitava o fogo. O dia e o sol tomavam o céu e as chamas respondiam, lançando-se ao alto e queimando o que restava do mato ressequido.

Por isso, voltei a tratar do assunto com as mulheres idosas que participam da ginástica na quarta-feira, no posto de saúde aqui do Vale do Capão. Mais uma vez elas me alertaram que antigamente não se preocupavam muito com isso. Pois que o fogo parava na mata. Todos os anos se incendiava os altos ermos. Os vaqueiros se encarregavam de queimar os Gerais no estio, para que, logo após a chuva, pudessem trazer o gado para comer o broto novo. O fogo consumia a vegetação baixa, gramíneas em geral, cujas raízes conservavam a vida apesar do calor. Mas o incêndio não atingia os locais de mata, pois ali a humidade garantia a vegetação. Dalva alertou que naquela época chovia mais e a mata era mais úmida que hoje. O que dava mais segurança.
Porém as outras comentaram que estas queimadas impediam um excesso de baceiro. Assim chamam o mato morto, folhas secas, que se acumula no solo. É esse baceiro úmido que segura a onda do fogo na mata, mas na serra, quanto mais baceiro, mais poderoso é o incêndio e tão forte que pode alcançar as ramas das árvores, queima-las, às vezes, irremediavelmente. Nestes casos a recuperação é demorada e difícil.

Um amigo, Emanoel Requião, me contou que uma floresta nos Estados Unidos que era sumamente preservada, quando pegou fogo acabou. Então perceberam por lá que pequenos incêndios são bem-vindos! Ele usou uma frase tocante: “A Chapada é amiga do fogo”. Comentou que certas sementes carecem do carinho quente para no devido tempo brotar. E isso coincide com o testemunho das nativas que me disseram que depois do fogo, logo com as primeiras chuvas, a macela brota lindamente e a produção é maravilhosa. Segundo elas o candombá (ver post anterior) também brota e flore que é uma beleza. Acrescentam que certas plantas comestíveis só aparecem nos campos depois que há queima, tais como a Maria Gondó e o Cariru de Veado.
No trabalho com as idosas ocorreu-nos que a prevenção possível para estes grandes incêndios é garantir pequenas queimadas com a supervisão e vigilância dos brigadistas, para eliminar o excesso de baceiro. Assim não teremos grandes devastações periódicas.

Penso que em se aceitando esta proposta, haverá que fazer um plantio de espécies nativas ao redor das nascentes com o fito de engrossar a mata ciliar lá em cima, nos Gerais, para que os córregos e rios estejam mais protegidos. Desde que por lá ando tenho o sentimento e, mesmo, a sensação, de que o povo planta que vive bordeando as águas correntes mantêm uma relação tensa com o radiante elemento fogo, coisa que não devemos esquecer.

Ademais, no criar soluções devemos despir-nos de conceitos estanques e definitivos (como: o vaqueiro é o vilão porque põe fogo), sem, contudo, abrir mão da vigilância (como: controlemos e estudemos o real impacto do fogo do vaqueiro, ou, do fogo no roçado). Podemos avaliar que o fogo do vaqueiro ou do roçado a longo prazo vai reduzindo a área de mata ciliar, daí replanta-la.
Já no interior do Vale do Capão há muito baceiro na mata; será que seria bom reduzi-lo? E esta samambaia de canicho, venenosa, que está afogando as árvores? Ela não era tão frequente antes, está aumentando e pega fogo fácil. Será que não é bom reduzir sua presença? Bom, temos muito a pensar e discutir nesta questão da prevenção de incêndios; gostaria apenas que os antigos moradores pudessem também dizer o que pensam.

As mulheres me pediram para fechar esta arenga avisando a todo mundo que o Vale do Capão em si não queimou. Foi doloroso para todos nós ver as serras em chamas e a fumaça poluindo o vale, mas felizmente nenhuma casa foi atingida, e o vale em si, segue verde.

Abraço idoso para todos de Aureo Augusto.