sexta-feira, 21 de março de 2014

RADICALISMO E INTOLERÂNCIA

Sou uma pessoa tremendamente curiosa e com uma sede de aprender que beira o vício, devo reconhecer. Por isso quando Mariane Riani colocou no face book sua inspirada frase: “Radicalismo me cheira intolerância e julgamentos”, quis aprender mais, e procurei-a para conversar.

Per si a frase é suficiente, embora não custa nada fuçar mais um pouco. Neste momento estou lendo um livro maravilhoso e a autora me apresenta alguns postulados que remetem à educação das crianças. Tenho pena de não haver lido o texto há muito tempo, quando meus filhos eram bem pequenos. No entanto incomoda-me aquela coisa radical, uma postura tal que só aquilo é vero, só o que funciona – todo o mais é erro. E esta sensação fica mesmo naqueles momentos do texto em que a autora se lembra que pode haver verdade (quem sabe?) em outra postura. Por isso quis ver com Mariane algo mais e, nossa conversa trouxe algo mais ou menos assim – lembrando que as conversas são sempre maiores que as escritas.

Ela nota que o radicalismo pode ser muito útil pelo fato de que a ênfase que põe no próprio ponto de vista faz com que ele se destaque, apareça, atraia a atenção, torna-o mais socializável, insere-o na pauta de pensamentos das pessoas, dissemina-se em jornais e revistas, acaba sendo um fenômeno midiático. Desta forma aparecem grupos a favor e contra, ocorre o debate, surgem aqueles que concordam, mas que não acham que seja tão radical como querem os radicais e por fim a sociedade pode se transformar. Um exemplo disso é o movimento feminista, cujo radicalismo (alguém se lembra das mulheres jogando fora os sutiãs?) atraiu a atenção, foi e ainda é amplamente debatido e neste rastro grandes foram as conquistas das mulheres em nossa sociedade sabidamente machista.

No entanto, alerta Mariane, o radicalismo tem “embutido a intolerância” (entre aspas porque a frase é dela). E a História aí está para corroborar sua fala. Um exemplo foi nazismo foi um fenômeno onde o radicalismo era a norma e claramente intolerante. Também os fundamentalistas religiosos não apenas seguem as normas das suas religiões como querem eliminar todos aqueles que não partilhem suas crenças; não toleram opiniões diversas. E esta é uma das mais terríveis formas de tentativa de dominação. Hanna Arendt nos conta que o pior totalitarismo é o da verdade. Quando cremos que o nosso radical modo de ser é a verdade absoluta, tudo o mais é mentira e há que ser eliminado. Esse é o caminho lógico segundo o qual aparecem anomalias como Torquemada, Pol Pot, Hitler, Stálin, Pinochet, Charles Manson, entre outros. Estes homens eram ‘donos da verdade’ e seu radicalismo continha em si e como corolário natural a intolerância. E em quanta medida esta certeza tão absoluta a ponto de matar e morrer pela tal verdade absoluta não apenas esconde as próprias incertezas, incompetências? Quanto não é uma tentativa de esconder os próprios defeitos, pondo-os nos demais?

Sendo até necessário, o radicalismo é uma ‘faca de dois legumes’ como diz a gente do campo. Um lado passível de doçura e melhorias outro amargo como afiada lâmina sobre a carne, cabendo a nós o cuidado do bom senso, pois que os produtores de novas ideias já estão atarefados demais parindo-as para nós.

Recebam um abraço radical de Aureo Augusto (rsrsrs).



Post Scriptum: Registre-se que o termo radical refere-se a raiz, cerne. Mas a palavra radicalismo acabou por ser vista como algo negativo, quando na verdade deveria referir-se apenas a quem segue cuidadosamente uma ideia, sistema ou teoria.

4 comentários:

  1. Obrigada pela atenção ao meu comentário, doctor.
    Uma honra ter um texto seu inspirado em uma reflexão minha.
    Seguimos filosofando... =)

    Um cheiro!

    Red

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    1. Aprendo muito contigo. Vc sabe. Sou grato por contar com seus pensamentos que frequentemente caminham por inesperadas trilhas.
      abraço

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  2. Sem dúvida, são termos bem inter-relacionados, porém, a genealogia pode ser discutida.
    No caso do nazismo, por exemplo, não sou perito nesse período histórico, mas Hitler era intolerante
    e antijudeu, bem antes de assumir o poder alemão, pelo que se lê no "Mein Kampf". Não sei como
    ele chegou lá, mas pode ter aparentado certa flexibilidade e só ter assumido o radicalismo depois
    de ascender à chancelaria.
    Também no caso dos veganos, mesmo os radicais podem ser intolerantes a alimentos animais
    sem ser intolerantes às pessoas carnívoras.
    A radicalização em torno da verdade, mesmo sendo apenas uma verdade parcial ou fictícia, não leva
    necessariamente à intolerância.
    Um exemplo mor é o Cristo, que era radicalmente anti-pecado e não anti-pecador, intolerante frente
    aos erros, não frente aos 'errados' que pretendiam (aparentemente) mudar de vida.
    Creio que, de todo modo, não se pode ser radical nesse campo.
    Abraço moderado.

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    1. Pra vc tb um abraço moderado. Suas palavras merecem atenção, porém o fato é que muitos são os exemplos de radicalismos intolerantes.

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