segunda-feira, 10 de março de 2014

ASSOMBRO-ME

Assombro-me com o mundo!
Sim, suas preciosidades miúdas e grandes, seus desatinos de beleza e dores. Assombra-me o mundo.
As formigas construindo seus edifícios invertidos e os cupins desenhando a madeira, colibris disputando a beleza com as flores, o sabor do manjericão e da manga. Ah! O sabor dos lábios de certas mulheres; o pipilar tímido dos pássaros iluminando a manhã prévia ao sol; o sabor elegante de seios palpitantes; a magia incauta de fenômenos como o rádio ou o computador; a beleza pulcra de um céu de inverno derramando-se sensual sobre o vale esmeralda no côncavo das serras; o macio da cama e o calor que nela se introduz à minha chegada; a luz que a lua imagina antes de nascer, desenhando borlas no mundo, fazendo bordados de folhas; o grito lancinante de uma mulher parindo e o silêncio casto de uma mulher parindo; a cor absurdamente perfeita do capim gordura nas margens do caminho; o perfil de um vaso de barro ao sol na feira de domingo; os campos acima de todas as casas, lá no alto, espalhando-se em ondas verdes obedientes aos recursos do vento; o traço feroz de um edifício contra a pureza do céu íntegro e vazio ou o mar deslizando-se por sobre si mesmo, aferrando-se às pedras para não mergulhar em si, voltar; lembro a vagina de uma mulher que amei como uma criança ama o seio de sua mãe, uma flor, uma orquídea de beleza ímpar e odor a açucena; o desenho impossível das serras; o jogo das cores nas asas da borboleta, estrelas no céu coalescendo e marcando o irrepreensível azul negro com sua luz tranquila...

O mundo desfia-se, o mundo desdobra-se em maravilhas, o mundo canta-me canções que fazem de mim um alguém em permanente assombro.

Assombro-me às vezes da minha insensibilidade quando descansa em meu peito a tristeza e meus olhos anuviam-se da vida, perdem-se do dom amado que é o ato apenas de existir; espanta-me quando descubro que não estou sendo amante desta quantidade avassaladora de surpresas que me chegam a cada ver, ouvir, tocar, cheirar, degustar...

Toca-me a casca das cigarras recém-transformadas em rudes pássaros, a cor inigualável do peito da ariramba com seu bico construído de impecabilidade, o sabor único da comida de Vanda (que faz minha comida todos os dias e sorri discreta quando ao final do almoço digo para mim mesmo: “Nossa, passei bem!”).

Agrada-me sobremaneira ver o Morro Branco acender vermelho no entardecer, a marca dos pneus nas estradas, a dança da água exalando do asfalto à passagem dos caminhões; o  som da flauta ou do violão, um piano na noite, tambores fazendo das ancas o que as almas pedem; porque tanta beleza distribuída tão ubiquamente? E mesmo quando o sabor é acre e vermelho duro, ou quando os olhares são desconsiderados, ou quando cruza o céu a luz da morte, surpreende-me o existir.
Não há lugar em que o mundo não se revele uma maravilha, não há caminho sem que caiamos nas armadilhas das surpresas e a maior delas é quando (e tantas vezes) esquecemos-nos de deleitar-nos pelo que se nos oferece, ou, no mínimo, abrirmos os olhos de espanto com o que testemunhamos.

Recebam um abraço atônito de Aureo Augusto

6 comentários:

  1. Quanta sensibilidade Dr. Áureo. Obrigada por esse texto lindo.Agora vou passar a observar mais e julgar menos.Apenas sentir. Um abraço, Lídia

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    1. Ainda bem que existem pessoas como vc, Lídia, capazes de se sensibilizar. Fico feliz em saber que lhe foi grato este texto. Abração.

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  2. Bonito o seu poema. Pra quem tem olhos pra ver beleza não falta.
    O que me espanta mesmo é que, com tanta beleza em volta (e por cima e por baixo também),
    haja quem se ocupe em causar dano aos semelhantes, muitas vezes sem necessidade.
    Não mando um abraço desumbrado porque pega mal.

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    1. De verdade, também me surpreende a perda de tempo que há naqueles que causam dano aos semelhantes, qdo bastava apreciar o mundo.
      abraço meu amigo, sem deslumbramento, rsrsrs.

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  3. liagbarreto@gmail.com17 de março de 2014 às 15:28

    Olá Dr. Aureo,
    Minha mãe, a alguns anos, fez tratamento com o senhor. Hoje está buscando forma de contatá-lo. Ivete Gonçalves Barreto de Irecê, por favor me infique um contato!

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    1. meu e-mail: aureoaug@gmail.com
      telefone: (75)33441030 - melhor à noite.
      abraço

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