sábado, 28 de dezembro de 2013

COMO PODE TÃO BELO?

Acabo de fazer esta poesia, e a vejo como celebração neste momento em que nos despedimos de um ano e começamos outro, partilho-a com vocês:
Como pode o mundo ser tão belo?
Tão delicioso este tao entre a luz
E a noite povoada de silêncio e estrelas?
O canto áspero das cigarras
Roçando-me a pele nos galhos das árvores
Anuncia-me apenas as alegrias do dia
Com suas tristezas feitas da etérea
Matéria que constrói nuvens floculares
Manifesta-se e se esvai logo acima do céu
Na cúpula íngreme das montanhas
Que cercam minha casa no vale do mundo.

Por isso meu canto é feito de todos os sentimentos
E sustenta-se no encanto que é viver!

Não temo muitas coisas, embora seja covarde
Corro os olhos nos lugares escondidos e perigosos
Da alma humana e me divirto aonde as lágrimas
Convidam-nos à reflexão quanto à fantasia da seriedade.

Bebo a luz que o dia me traz e a noite que do dia se faz
Enquanto recebo cada um dos presentes que a vida comporta
Desde a cor iridescente no corpo da mosca sobre a bosta
De gado, ao gado, assim como ao gato e seu saltar caprichoso;
O brilho nas folhas após a chuva ou as formas mutáveis
Do pó embalado pelo pneu dos carros no solo ressecado;
O campo estendido qual cobertor de retalhos
E a verticalidade da serra contra o céu feito de asa de periquito.

Por isso meu canto é feito de todos os sentimentos
E sustenta-se no encanto que é viver!

E ainda tem a profusão de sabedorias humanas
A peculiaridade de cada um em suas manias
A dor que apenas sente o ser humano por existir
O jeito único de cada individualidade caminhando
Como se não fosse parte de um todo que repete a unidade;
Banho-me todos os dias nas águas abundantes dos sorrisos
Que me trazem os vizinhos, seus abraços e exclamações fartas
Deixo-me levar pelo cuidado que o mundo me tem
Pelo embalo que a existência me obriga, me faz e me quer.

Vai daí que meu canto é feito de todos os sentimentos

E sustenta-se no encanto que é viver!
                      recebam um abraço de ano novo de Aureo Augusto.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

VOLTOU A CHUVA DAS ÁGUAS

Na segunda-feira, como de hábito dormi como uma pedra. Mas no meio da noite em algum momento escutei chuva forte golpeando o telhado e reentrando no mundo dos sonhos sorri agradecido, mas não percebi a dimensão da chuva. Só tive realidade quando no amanhecer molhei os pés ao andar na sala da casa. Aí reparei que todas as velhas (e em certa medida queridas) goteiras ressurgiram a todo vapor.

As águas voltaram! Aqui no Vale do Capão sempre me encantou o exagero deste período, quando os rios se perdem dos limites, avançam sobre as ribanceiras nas margens, superam barreiras, arrastam troncos gigantes, deixam de lado o respeito pelas pontes. Havia já 5 anos que a “chuva das águas” tinha se esquecido deste lugar. Sabemos da seca inusual que assola a Bahia, levando dor para tantos. Aqui também aconteceu a debandada da chuva, mas não sofremos tanto quanto outros lugares. Mesmo assim foi triste, muito triste.

Hoje, quando escrevo estas linhas, é quinta-feira. Segue a chuva. Desde aquela segunda-feira não pude mais tomar meu banho matinal no rio. A quantidade de cisco (restos pequenos de mato) é enorme, na água e nas margens. O poço onde me banho está tomado de troncos enormes, retorcidos, embaraçados em uma confusão de gigantes.

Quando vim para o trabalho pela manhã o carro descia as ladeiras como criança no escorregador, e por isso não pude voltar para almoçar em casa. Agora tenho esperança que possa voltar com o pouco estio desta tarde. Um caminhão atolou na rua logo depois da escola pública; um pessoal que mora aqui há pouco tempo viajou e deixou os carros (um Fiat e uma Kombi) perto do rio – vixe! A água passou por cima. O povo ficou agoniado, mas não pôde fazer nada. Vários acidentes de moto por escorregões, lama e lama pra todo lado. A gente encharcada. Uma alegria!


Recebam um abraço molhado de Aureo Augusto.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

MAESTRIA

            MAESTRIA
Você me ensinou nada mais
Do que eu já sabia.
Não desvendou caminhos desconhecidos
Sabendo no coração que locais
Absolutamente ermos do saber
Não existem, são quiméricos sonhos.

Fez com que recordasse do poder latente
Em minhas células
Nelas e na alma, lembrou-me do prazer crescente
Que a vida pode impor, dispor
Se o coração se abre e investe em ser
Algo a mais que apenas raiz.

Lembrou-me de raiz e fez flores, folhas e frutos
Ensinando-me do poder embutido em mim
Trouxe-me a humildade do amor
Árvores seculares e relva úmida curvando-se ao orvalho.

Uma vez que saboreei apenas a migalha
E com ela me satisfiz da sua beleza
Acometeu-me de renúncia;
Quando lançou-me em toda a luz
Acolheu-me nas trevas e no silêncio
Enquanto de mim fazia senhor dos pássaros chilreantes.

Se construiu o sabor dos corpos amantes
Ausentou-se;
Se ensoberbeceu-me de seu olhar bondoso
Construiu obscuridades;
Se alimentou-me a alegria contagiante
Experimentou em mim saudades;
Se despertou-me todos os dias na esperança
Tornou-me íntimo da morte;
Se ampliou-me a percepção do universo
Fez-me ver o pequeno que sou
Acolheu-me terna no pequeno que sou
E grande como o oceano onde as estrelas se banham.

Dess’arte estendo minha mão ao infinito
E beijo os pés do mendigo
Assim de mim foi feito o silêncio
Que sustenta o meu discurso atroante
Caminho pelas margens dos povos
Enquanto lhes guio os passos
E ouço o canto da vida universal
Surdo que sou, surdo que sou.

Grato, meu coração dispara raivas
E aprende humilde que nada pode exigir
Expandindo-me aos confins do prazer
Estóico e ascético às bordas da fortuna
Estou aguardando o que não virá
Louco da esperança pelo que não será
Feliz na plena alegria que não despreza a dor. 

                                   recebam um beijo poético de Aureo Augusto


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

PRECISAMOS DE NÃO

Precisamos de não, porque se tudo é sim não se instala a felicidade.
Às quartas, 7 horas da manhã, tenho um compromisso delicioso: O grupo de senhoras da unidade de saúde onde trabalho. Ali fazemos ginástica psicofísica e depois uma roda de conversa. É um dos momentos mais agradáveis do meu trabalho. Um dia pedi que me falassem da vida delas quando eram jovens. Não era brincadeira. Trabalhavam muito, desde crianças, cuidando de roça, de irmãos menores, catando lenha... Quando queriam comer algo diferente, nos poucos momentos em que estavam livres, iam catar mamona nos terrenos baldios, para tentar vender e com o pouco que auferiam compravam na feira um peixe seco ou um pedaço de requeijão para trazer uma satisfação diferente da comida habitual. E esta era o feijão, arroz e farinha. As verduras vinham do mato. Elas me trouxeram e fotografei várias plantas que eram usadas na cozinha do Vale do Capão em tempos idos. Maria gondó, quiabinho, serralha, berduega, mangerome, taioba etc. Plantas rústicas e nutritivas. Além disso, o godo de banana e a jaca verde esmiuçada e cozida (hoje conhecida como palmito de jaca), ou caroço de jaca cozido completavam a alimentação. Às vezes o pai trazia uma caça, ou conseguiam badogar um passarinho.
No mais era trabalho, muito trabalho. Mas não perdiam oportunidade de diversão. Conversas à luz da lua faziam parte da vida, até a hora que os pais chamavam para a cama, pois o acordar era com o chegar da luz – o sol no Capão nasce mais tarde por conta das serras (da Larguinha a leste e do Candombá a oeste) altas que o escondem, mas o dia com seus passarinhos e a luz filtrada pela frequente neblina cedo nos convida à vida desperta.

A cada 15 dias havia a quermesse, um forró com leilão de produtos doados pelos próprios habitantes com a finalidade de arrecadar fundos para a festa de São Sebastião em janeiro. Era um grande momento. E a festa do santo padroeiro era o ápice da vida, único instante em que se inaugurava traje novo de chita. Natal? Aniversário? Não, não eram comuns estas celebrações.
Depois que contaram muitas histórias de padecimentos e trabalhos pelos quais passaram perguntei a elas se eram felizes e foi unanimidade a resposta positiva. Começaram a contar como era maravilhoso por o vestido novo em janeiro, ou aguardar o forró pra se exibir (muito discretamente para os pais não castigarem), ou saborear aquele peixe, ou o converseiro enquanto catavam café – coisas simples, pequenas alegrias que ‘maculavam’ de dons o marasmo cotidiano. Riam enquanto contavam e celebravam as coisas alegres, as bramuras, a festa, os olhares, o ajudar-se umas às outras no namoro e no casamento...

Então lhes perguntei se achavam que os jovens de agora são tão felizes hoje, como elas eram ontem. Também foram unânimes no dizer que não. Estão sempre queixosos e alguns revoltados ou deprimidos. Outros não se queixam, mas tampouco se alegram. Vivem uma vida sem pontos altos. E, segundo elas, “tinham tudo”. As condições de vida hoje são maravilhosas, no entender delas. Escola, computadores, televisão, mais empregos, facilidades, carros, mil coisas. Por que não são tão felizes quanto era de se esperar?

Pensamos que o fato de terem tudo à mão e mais desejos, muito mais desejos, cada vez mais desejos, ter mais do que podemos alcançar, e, deixar de olhar com gratidão e graça o tanto que já temos é algo que nos torna infelizes. Hoje vivemos uma sociedade onde o sim virou obrigação, quase religião e, assim perdidos no enorme não que tanto sim construiu com a argamassa dos desejos a alegria vira moeda, coisa que se guarda na carteira e que some na consecução das coisas. Mas não perdura por não ser auto realização.
A coisa não se resume a isso, mas disso se faz também.

Recebam um abraço repleto de não de Aureo Augusto.