sexta-feira, 29 de novembro de 2013

VIAJANDO PELO PLANETA PALMEIRAS

Estávamos, eu e Natália (enfermeira do posto – minha chefa) indo para Conceição dos Gatos, com um motorista contratado pela prefeitura quando notamos que saía fumaça do capô. O motorista saltou para ver. Falei: é a ventoinha. Natália me perguntou o que era isso. Disse-lhe que não sabia, mas que sempre que carro sai fumaça por aqui é essa tal de ventoinha. Rimos os dois com a minha sapiência ignorante. Aí o motorista voltou e confirmou: É a ventoinha.

Aliás, este carro já me veio buscar 4 vezes e em todas quebrou. O motorista labuta bastante no processo de manutenção do sujeito, mas parece que os resultados não condizem com o esforço. E quando está bom, dentro da cabine tem um fedor de descarga de automóvel que me faz sentir dentro do túnel Américo Simas em Salvador. Talvez seja para eu não ficar excessivamente viciado no ar puro daqui.
Às terças ausento-me do Vale do Capão para atender os povoados de Rio Grande, Conceição dos Gatos e Lavrinha. Regra geral, vamos eu, a enfermeira e a agente comunitária de saúde que acompanha estas localidades. É um trabalho bastante agradável com um povo bom e feliz por ter a oportunidade de atendimento. Sempre tem alegrias, risos, às vezes aborrecimentos, muito pó e raramente lama. O tipo da coisa que estimula o ser humano a viver.

Habitualmente me mandam carro e motorista da própria prefeitura. Porém às vezes todos estão ocupados (época de vacinação, por exemplo) e vem alguém contratado. Cada motorista tem seu jeito – de dirigir, de se relacionar etc. – mas todos são loucos por direção. Parece algo como um brinquedo para uma criança. Como eu mesmo não curto dirigir, fico admirado. Tem uns que além da direção são apaixonados também pela parte mecânica, outros me decepcionam quando o carro quebra porque não sabem nada. Tinha um que fedia tanto que Natália ria de mim, pois eu ficava com a cabeça pra fora da janela. Outro, o carro atolou (porque caiu na vala em minha casa) e não sabia o que fazer. Tirei a roupa, peguei a enxada, cavei abaixo da roda, pus um macaco, levantei o carro e fui jogando pedras embaixo até que deu pra tira-lo dali. O homem ficava se admirando de minha experiência no assunto. Mas também tantos anos de Capão! Fiquei admirado que ele, sendo motorista, fosse tão inexperiente na coisa. Há um sumamente simpático, João, que fala o tempo inteiro de tecnologia de antenas parabólicas. Zé Alfredo era muito legal, mas ele se mudou para Barreiras. Uma pena, eu gostava demais quando ele vinha, pois sendo ele pastor evangélico conversávamos horas sobre as mensagens bíblicas. E ele é daqueles que seguem o pregam – começa que não é rico – e ademais é muito tolerante com outras religiões, coisa nem sempre comum. Além de falar de Deus, Zé Alfredo gostava muito e gastava bastante do seu tempo pescando. E quando nos encontrávamos se alegrava em contar as aventuras. Deduzo que, em oposição à regra dos pescadores, não mentia, já que é pastor.

Algumas vezes é cansativo viajar pelos ermos destas estradas esburacadas e empoeiradas, mas o mais do tempo é gostoso. Palmeiras é um planeta bem especial, tem áreas altas como o Capão, semiárido, zonas de gado, outras de garimpo, enfim, um lugar rico e belo. Vejo, aprendo, saboreio.

Recebam um abraço palmeirense de Aureo Augusto.

4 comentários:

  1. Acho, pelo menos, esquisito contratar motoristas sem conhecimento de mecânica em municípios do interior. Ali, onde é comum haver estradas de barro, atoleiros, subidas íngremes e poucas e esparsas oficinas, esse conhecimento é essencial. Hoje, não sei, mas nos velhos tempos do carburador, devia-se andar pelos sertões munidos de vela, canivete, fita isolante, cola, barbante, banana (hein? Emergência é emergência, servia para radiador furado), chiclete (idem ao anterior), e coisas assim.
    Sem esquecer macaco e estepe (ou estepes) em bom estado.
    Papos teológicos na estrada é um bom passatempo, distrai pacas (até as pacas?).
    Louvo sua disposição em ver com bons olhos viagens cansativas e enfadonhas. Raramente me vi assim.
    Abraço estradeiro.

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    1. essa da banana é novidade total! Realmente, era bem estranho qdo o motorista não conhecia mecânica. E olhe que carro quebrado era a rotina.
      abração

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    2. Brother Aureo!
      Seu relato me transportou, para meados dos anos 70 em que trabalhava no Dep. Limpeza Pública de Salvador e tb tive vários motoristas, fedorentos. Evangelicos, mecanicos etc. Todos cheios de sabedoria! A vc meus parabéns e muito obrigado!
      Roberto

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  2. Planeta Palmeiras. Interessante colocação.

    Nunca vou me esquecer do meu olhar "pasmo" ao chegar em Caeté-Açu, em Julho em pleno Festival do Capão. Eu não sabia o que esperar, esperei demais e fiquei perdida. Não pensei que fosse assim. Muito igual e muito diferente. E eu queria ficar para sempre e ir simbora logo. Chovia, fazia muito frio e eu não achava as famosas montanhas, a geografia que eu tinha desenhado em minha cabeça. Não, aquele Capão não era o mesmo que eu carregava comigo.

    Choquei-me em ver engarrafamentos, jovens bebendo demais, fumando demais, lama, caminhões, rostos tensos e estressados, uma açougue???? (pensei que ali não se comia carnes?. Mas relaxei ao ver quanta turma com semblante feliz, ouvindo João Bosco tocar e cantar e jovens bonitos, moças lindas, com suas botas guapas, altas, esguias, paramentadas para o frio. Gente da cidade grande que parecia querer brincar de "vilarejo". E o nativos? A maioria sem roupas adequadas ao frio, como se acostumasse fosse a sentir frio. Queria sair, eu queria ficar. Eu queria rir, eu quis chorar. Mas ainda não era o momento (do choro?).

    Eis que veio a fome e Dona Beli foi "a porta do céu". Bate, bate, bate na porta do Céu, já cantava Zé Ramalho e lá se fomos nós e eu minha trupe, loucos de fome. O PF da Beli é obceno demais. Muita comida para uma pessoa que não curte almoçar e enche a pança só de olhar. Comida deliciosa mas que no meu caso, foi só beliscada. Mas os meus, não...oh como eles comeram....

    Neste baticum de gente e sons, de zoada mesmo para um lugar como o Capão, quisemos ir simbora para Lençóis aonde estávamos hospedados.

    Dias depois, já na capital, eis que eu me pego chorando, chorando e chorando. Do que seria este choro??? eu tentava querer interpretar as minhas emoções. Uma saudadeee imensa...de que eu não sabia explicar. Eu e meu MP4, ouvindo as minhas Sacred Spirits Musics, quase todas alusivas às tribos dos nativos americanos, peruanos, enfim...Isso...pronto...os índios. Sempre eles a me cutucar.

    Voltei a escutar e escutar. Me peguei dançando várias vezes, por vários dias, uma das músicas que tem uma pessoa cantando em Lakota ou Apache, não sei dizer. Só sei que eu disse que dançaria esta música, em gestos tribais, em cima do Pai Inácio e assim eu fiz. Mas sem ao menos escutar ela no Capão, era do Capão que meus olhos verteram lágrimas, lágrimas tão doridas de uma saudade inexplicável. E chorei, e quis comprar uma casinha, e quis ir morar lá e quis ir simbora. Mas foi indo, foi indo e passou.

    Realmente, meu caro doutor, Palmeiras e entorno, é um outro Planeta.

    Receba um abraço astral.

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