quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

GENTE relações


Para mim, lidar com as pessoas é uma essencialidade. Gosto. Mais que isso: Necessito. Soube que nos Himalaias existem mestres de alta estirpe que apenas meditam isolados de todos, dia e noite para o bem da humanidade, e os admiro (se é que existem). Pergunto-me como estes seres conseguem ausentar-se deste alimento tão caro que é o poder interalimentar-se com os demais seres humanos.

Tenho a sensação muito nítida de que nós os seres humanos nos alimentamos reciprocamente em nossos diuturnos contatos. Mesmo que saiba que tais contatos e tal alimentação nem sempre sejam positivos. Algumas pessoas são leves e estar com elas é como comer frutas saborosas, enquanto outras nos trazem a artificialidade dos “salgadinhos” de pior qualidade. Espero que essa escrita não nos confunda, infundindo um peso moral às pessoas e seus sabores. Tenho tido contato com pessoas muito boas, mas cuja presença nos traz o peso de uma feijoada completa. Depois da conversa sou obrigado a caminhar um pouco para desgastar, ou a sentar-me a ver a brisa, como quem carece descomer o prato.
De cada prato algo se aproveita, alguns são substanciais e leves, enquanto outros são pouco nutritivos e nos locupletam de uma matéria inútil, porém mesmo estes, algo nos acrescentam de, no mínimo, aprendizado quanto ao que não devemos ter/ser.

Gosto de lidar com as pessoas, mas às vezes me canso. Alguns dias é tanto trabalho, tanta exigência de atenção e tantos mal-entendidos que me sinto como se tivesse comido macarronada – ocorre que para mim a pior comida do mundo é macarrão, não suporto este prato. Falamos com alguém determinada coisa e lá nesta pessoa bate em algo que lhe libera uma indigestão mental e há que contornar, explicar, esclarecer. Logo depois um outro transforma o que dizemos em outra coisa bem diferente e as demais pessoas envolvidas no caso ficam com os nervos a flor da pele. Agora há pouco conversava com Wanessa, a técnica administrativa do posto. Ela comentava como uma informação que passou para uma mulher resultou em situação conflituosa com o marido desta que pensou não seria atendido, quando o que Wanessa havia dito era completamente diferente. Felizmente quando tudo foi explicado todos saíram contentes, mas, algumas vezes, quando estas coisas se repetem, sinto cansaço.

Recebam um abraço dietético de Aureo Augusto.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

CONSULTAS NO CAPÃO bom e ruim


Saí feliz da consulta porque a criança estava muito bem. Há 10 dias a pele estava uma coisa horrível, inchada, vermelha, descamando, coçando e ardendo. Com 3 meses de vida já sofria muito além da medida de um adulto. A combinação de orientação alimentar (a mãe não amamentara), alopatia e neo-hipocratismo (o que será isso?) lhe devolveu uma pele limpa e linda, exceto nos pulsos (por que aí?) e por isso sugeri que continuasse os tratamentos por mais um pouco. A mãe sorria e se regozijava de ver seu pequeno sem choro. Mas o mundo tem às vezes (ou sempre) um quê de pêndulo.

Passou o tempo um pouco e Wanessa, a agente administrativa do posto, veio me pedir ajuda. Uma jovem estrangeira muito bonita, porém com modos impertinentes e arrogantes, acompanhada de um rapaz alto e musculoso exigia consulta, mesmo sendo avisada que uma unidade de saúde da família estava voltada para o atendimento das famílias residentes, além do fato óbvio que o SUS é universalmente dedicado aos brasileiros e apesar de ser uma coisa maravilhosa, ainda não conseguiu cuidar da nossa gente conforme se propõe, imagine se tiver que cuidar dos estrangeiros que aqui aportam a visitar. Disse-lhe que atendíamos, claro, qualquer urgência etc. mesmo sabendo que para entrar na Europa nós, brasileiros, temos que provar ter seguro saúde, recursos para manter-se e naturalmente os estrangeiros que nos vêm visitar deveriam também ter condições de pagar uma consulta e comprar seus remédios. Mas ela não queria acordo. Wanessa estava nesta conversa quando cheguei, mas ela apenas me falou que queria tirar uns pontos de uma sutura que sofreu após um acidente em Itacaré. Nenhum problema, eu tiro. Tivesse a francesa explicado a Wanessa, ela teria me chamado para cuidar disso. Mas ela queria mais, queria que eu fosse a casa onde estava hospedado um seu amigo também estrangeiro que estava doente. A conversa desandou. A questão é que ela tem um entendimento da vida completamente diferente do meu. Para mim quando você toma uma decisão livre, também se responsabiliza por arcar com todas as conseqüências de tal decisão. Ela não entendia que tanto ela quanto seu amigo haviam tomado a decisão de viajar pelo mundo sem dinheiro, livres de compromissos, de impostos, de responsabilidades sociais (por exemplo); vivendo marginalmente sem querer participar de uma sociedade que eles consideram (com alguma razão) podre, mas, paradoxalmente, ávidos das benesses e da proteção desta mesma sociedade.

Muitos jovens aqui aportam sequiosos de vivenciar a vida natural de prazeres que imaginam encontrar no Vale do Capão. Querem liberdade total, com franca irresponsabilidade. Querem, romanticamente, a impossibilidade, e vivem buscando um pai, pensando que querem um mundo novo. Deve ser por isso que a tuberculose, doença dos românticos, está voltando a agitar as estatísticas. Ontem ouvi uma mulher (sim, porque não era mais uma adolescente) em altos brados, no telefone público do posto exigindo que os pais lhe mandassem dinheiro. O que foi feito dos sonhos de um mundo novo de paz e amor? Tornou-se em grande medida, farra e indolência. Qual é o problema de farra? Nenhum. Qual é o problema da indolência se for uma coisa própria sem envolver os demais? Porém ser parte da humanidade em plenitude implica afastar-se do modo piolho de ser. Os piolhos incomodam porque sugam o sangue e dificultam o sono. Nós os seres humanos somos livres, somos a amplidão, somos o sopro divino, a luz plena. Mas não somos apenas isso: Existimos no mundo e isso é como um pêndulo!

Tudo piorou quando o rapaz se meteu e eu, procurando acalmá-lo, referi-me a ele na velha gíria de meus tempos de jovem, “bicho”. Pensei que ainda hoje se usava, aliás, tenho usado com muitas pessoas sem problema, mas ele se irritou muito e disse que ele não era bicho e me perguntou se eu era médico de gente ou veterinário. E se aproximou ameaçadoramente exibindo os grandes peitorais muito desenvolvidos. Quem me conhece sabe que minha “portentosa” musculatura não dá para muita coisa. Também é do conhecimento de todos que não sou o cara mais corajoso do mundo. Mas não recuei um passo, por um motivo muito simples: Sei que para o covarde às vezes é melhor aparentar coragem em dado momento de uma situação do que deixar que a situação piore. Encarei-o e continuei dizendo o que pensava dele, dela, do amigo. Ele recuou. Ufa!

Voltei-me para ela e disse que aguardasse um pouco para retirar os pontos. Ela se sentou e fui verificar a pressão de uma jovem mãe que precisava de atendimento. Quando terminei notei que o sujeito estava sem camisa, e é proibido permanecer no posto com o torso nu. Confesso que hesitei em falar porque não me causa agrado futucar o cão (ou é o leão?) com vara curta. Mas aproximei-me e lhe perguntei o nome. Ele respondeu e chamando-o pelo seu apodo lhe instei a vestir a camisa. Ele optou por retirar-se. Atendi à mulher e depois tirei os pontos da jovem. Fiquei feliz quando ela se foi, porém não tanto quanto estava no início deste texto.

Recebam um abraço pendular de Aureo Augusto.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

COBRAS E PARTOS


Venha viver no Vale do Capão e passará por experiências interessantes. Ontem a moça que trabalha comigo estava bem assustada quando cheguei para almoçar. Uma cobra de bom tamanho, que ela não soube dizer qual era havia passado toda a manhã aborrecendo um casal de sabiás que a atacaram sem piedade, provavelmente para defender o ninho. Por isso a serpente passeou de um lado para outro sobre as árvores no quintal, bem perto da porta da cozinha. Acho interessante como esta moça tem medo de bicho. Nasceu e se criou em um lugar chamado “Mata”, vizinho do Tejuco, povoado que faz parte do distrito de Caeté-Açú, do qual também faz parte este povoado do Vale do Capão. Mas apesar de sua história assustou-se com um teiú que veio visitar nossa composteira e com os insetos que vez por outra invadem a casa. Claro que me divirto demais com isso!

Estes dias tive uma experiência divertida: Uma jovem mineira casada com um mascate que se apaixonou pelo Capão veio para a consulta de acompanhamento da gestação. Ela é bem jovem, 19 anos, e é bem engraçada. Durante a consulta queria convencer-me a fazer algum documento onde registrasse que ela tinha que fazer cesárea, pois sua irmã tinha parido deste jeito e lhe disse que era legal. Argumentei muito em favor do parto normal, mas ela não queria acordo e enquanto conversávamos ela ria muito e eu também porque tinha um jeito muito peculiar de falar. No final nem ela me convenceu a fazer o documento, nem eu convenci-a a parir normal. Alguns dias depois, no meio do Carnaval, ela entrou em trabalho de parto, o qual foi bastante rápido. O marido tentou leva-la a Iraquara para parir no hospital, mas faltou gasolina e teve que aceitar o oferecimento de Talos, um jovem daqui que se dispôs a levar o casal, mas o parto apertou e pararam no posto em Palmeiras, onde estava de plantão a Dra. Maristela que é uma parteira muito amorosa. Acabou que pariu normal e rápido, embora tenha feito um barulhão.

Hoje, dia de visita domiciliar, fui a sua casa para fazer a consulta puerperal (puerpério é o período que se segue ao parto). Ela e seu marido estavam muito felizes; eu diria que ela estava serelepe. Comentei que se tivesse feito cesárea não estaria assim tão ágil ela concordou e disse que tinha sido legal parir normal, me disse “não é essa dor que as pessoas dizem”. E lá ficou ela com seu marido e o bebê lindo descansando placidamente no meio da alegria dos pais.

Recebam um abraço fértil de Aureo Augusto.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

REFLEXÃO SOBRE UMA LIBERDADE QUE PRECISAMOS


No silêncio descansado por entre os ruídos de um dia de labuta, estou. Lá fora as pessoas (ou seja: nós) se agrupam ao redor de um possível suspiro em suas dores. São tantas as dores! Mas também gosto de apreciar que há silêncio de dores, naqueles momentos em que a graça do riso transborda os lábios. O povo tem vivido mergulhado no labor de sobreviver e a isso se acostumou. Pois hoje, neste agora de onde saltam tantas queixas vejo minha gente aprendendo que há mais do que a sobrevivência. Vivemos! Vivamos!

Ontem entre os jovens notei interrogações. Percebi buscas e perscrutei neles a sensação de que as coisas devem ser algo mais do que contam os pais, mais do que dizem os livros, e muito mais do que falam as canções de gosto duvidoso que aqueles aparelhinhos engraçados lançam nas orelhas, pelos mesmos fios nos quais se penduram as cabeças. Os jovens têm olhares com formato de sinais de interrogação e de admiração. E isso é o que há de mais lindo neles.
Conversávamos (como parte de um interessante curso que tomam) sobre drogas. Mas não dava pra tratar de algo tão chão para todos eles do jeito tão “química de livro” comum nesses papos. Buscamos coisas por trás da fumaça. Os jovens gostam de ir além do elaboradamente arrumado no cotidiano. Isso é uma coisa linda neles e me estimula a caminhar por estradas de reflexões inauditas.
No entanto, é terrível para mim encontrar que esses jovens tão descotidianizados tantas vezes recotidianizam-se em padrões que não são os padrões dos pais, mas o são de outros donos do comportamento. Existem TVs, cinemas, existem amigos duvidosos sugerindo caminhos inusitados, mas tão iguais ao que aconteceu no passado: Alguém lucrando em nome da liberdade ou da justiça. O de sempre: Alguém lucrando através novos modismos que seriam capazes de torna-los (aos jovens) diferentes, quando os fazem todos iguais.

Às vezes vejo-os com aquele jeito meio imbecil herdado da maconha fumada há pouco, ou aquela cara totalmente debilóide imposta pelo álcool; vejo-os também às vezes com rostos rijos atracados ao futuro, perdidos de si, impondo-se futuros. Então entendo o que sentia Ulisses vendo seus companheiros presos no país dos Lotófagos. Ali as pessoas que comessem as folhas do Lótus se esqueciam de retornar para casa. Ah! Confesso que me dói ver estes belos seres de olhares com formato de sinais de interrogação e de admiração tornarem-se ovelhas dominadas dos pastores das drogas (cigarro, álcool, maconha, açúcar branco, cocaína, heroína...). Meu coração ficaria feliz em ver estas criaturas lindas retornando à casa – aquele lugar da liberdade responsável de onde saímos e para onde voltaremos e não perdidos entre os lotófagos.

Vivemos, é verdade, no labor de sobreviver e lá fora nós nos encontramos agrupados ao redor de um possível suspiro em nossas dores. Olhemos para nossos corações; precisamos abrir-nos para ver o mundo com os olhos de nossos corações. Precisamos romper com a lógica que nos leva a que curvemos nossas cabeças a uma vida medicamentizada, drogada, dominada, midiatizada, bigbrotherada.
Acredito!

Recebam um abraço de coração de Aureo Augusto.