quarta-feira, 17 de outubro de 2012


Dia 16/10 tive a oportunidade de fazer uma fala no Curso de Permacultura na Comunidade Campina, aqui no Vale do Capão. Foi muito legal estar com aquelas pessoas que se ocupam da sustentabilidade no Planeta. Aqui vai o material usado:
SAÚDE CORPO AMBIENTE PRAZER
Muito agradável saber que há um grupo de pessoas pensando agricultura, economia, vida humana enfim, em uma perspectiva ambiental. Tenho notado, mesmo morando aqui nestes confins do mundo, que este interesse está aumentando entre as pessoas.
Fico pensando no que poderia falar para vocês, que seguramente conhecem mais agricultura, ambientalismo e economia do que eu. Ocorreu-me de início trazer um texto de um precursor de todo o movimento que, em dado momento se autodenominou alternativo. Nome já bastante desgastado. Este autor a que me refiro talvez tenha sido o primeiro a propor a formação de uma comunidade alternativa, nos moldes pensados no final do século passado. Refiro-me a Epicuro, que viveu na Grécia (nasceu em 341 a.C.). Em 306 a.C. em Atenas fundou uma comunidade onde as pessoas viviam plantando o que comiam, encontrando prazer na vida simples, vivendo frequentemente em barracas. Esta comunidade atraiu gente de muitos lugares e sobreviveu ao mestre.
Começo apresentando um excerto da carta que Epicuro escreveu para Meneceu, seu discípulo, que aqui apresento retirado do livro Carta Sobre a Felicidade (A Meneceu), publicado em grego e português pela Editora UNESP em 2002:
Nunca devemos nos esquecer que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, e nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.
Consideremos também que dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz; em razão desse fim praticamos todas as nossas ações para nos afastarmos da dor e do medo.
...
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer. Há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo.
A filosofia de Epicuro está centrada no fato de que todos os seres procuram sempre o prazer (aqui significando bem estar). Devemos considerar que seu exemplo é bem atual, inda mais neste momento, em que o processo desencadeado pelos seres humanos (que a rigor começou na pré-história, ampliou-se com as navegações portuguesas e agora culmina com a cada vez maior interdependência comercial e com a internet) de globalização das relações entre as diversas pessoas, culturas, nações, economias. De repente percebo que às vezes, mesmo morando no Capão, sei tanto do que acontece com meu vizinho, em tempo real, como do que se passa no Irã, na Indonésia, ou no Kwait. Somos uma comunidade terráquea e devemos atentar para o fato de que os nossos desejos não fundamentais, bem como os não naturais, frequentemente instaurados em nós por uma mídia a serviço do lucro de corporações que não levam em consideração a sustentabilidade, dizia, que tais desejos podem ser uma declaração de morte ao nosso futuro.

Vai daí que precisamos aprender a lidar com o prazer, uma vez que a nossa recusa a tratar isso da forma adequada nos tem levado a deixar-nos ser vítimas de uma mídia que nos impõe a medicalização da vida, e a agrotoxificação da vida. No afã de atender a prazeres imediatos não podemos nos considerar vítimas inocentes de corporações que querem lucro a todo custo (o custo será não das corporações – para elas apenas o lucro), uma vez que em grande medida (e sem querer tirar a responsabilidade – ou irresponsabilidade – das grandes empresas e governos) nós também somos agentes ativos de nossa própria desgraça ecológica.

“O futuro não é totalmente nosso, nem não-nosso”.  Mas é nossa a decisão de como vamos atuar no presente com vistas ao futuro. Isso tanto em nossa vida particular quanto na relação com o meio ambiente. Lembrando Morris Bermann (in El Reencantamiento del Mundo, Cuatro Vientos, Santiago-Ch) quando nos diz que o jeito com o qual lidamos com nosso corpo é isomórfico à nossa ação com o ambiente entendemos que agrotoxificamos a vida na mesma medida em que medicalizamos nossa vida.
Tenho notado a forma imediatista com que lidamos com nossas dores físicas e psíquicas. Os pais não suportam suportar a dor nos filhos e em si. As medicações antiálgicas são uma verdadeira praga.  Para não sentir a mínima dor, desconforto ou doença aguda nos medicamos assiduamente, o que traz consequências avassaladoras para a saúde, seja por causa de efeitos colaterais, seja por que deixamos de ter competência para lidar com a dor e a perda. Tornamo-nos aos poucos tomados de um narcisismo que, em última análise é autodestrutivo (sobre isso veja Dana Zohar, in O Ser Quântico). E acabamos por agir com o ambiente, como se estivéssemos fora dele e para sermos por ele servidos – corolário disto é a atitude tão comum hodiernamente quando tantos se consideram seres especiais a serem servidos pelos demais, pelos pais, pela sociedade; um número razoável de pessoas está exigindo muito dos demais, sem, contudo, se esforçarem pelos demais; usando argumentos justos, de crítica à sociedade, vivem à margem dela, parasitando-a, criticando-a, porém sem efetivamente contribuir para sua transformação ou sustentação e sustentabilidade.

Dessa forma e no desejo de atender a desejos tornados essenciais, mas que não passam de não naturais, ou não necessários, acabamos por sobre exigir da Terra que “pode prover a toda e qualquer necessidade, mas não a toda e qualquer cobiça” (Gandhi in Minha Vida e Meus Encontros com a Verdade, Diffel, São Paulo).

Saídas existem e são muitas, como um encontro como este que está ocorrendo, porém todas passam pela consciência. Passam por aprendermos com o passado, netamente com o século XX, o das ideologias, onde o culpado era sempre o outro (capitalistas, comunistas, fascistas, democratas, negros, brancos, europeus, cristãos etc.) que deveria, preferencialmente, ser eliminado.
Assumir a responsabilidade pelos nossos desejos e pelo futuro, bem como com pelo presente. Sem ver as medicações como obra (apenas) de interesses escusos, entendê-las como úteis em determinadas circunstâncias, mas evita-las sistematicamente. Procurar encontrar soluções para o desabastecimento de grande parcela da população mundial sem o uso fácil de insumos artificiais e alheios aos costumes locais. Não alinhar-se com hegemonias óbvias, apenas porque poderosas, porém não esquecer que aquilo de hegemônico assim se tornou não por obra do acaso. Entender as injunções que criaram um mundo tão injusto, tão hipócrita, tão terrível, mas que nos traz maravilhas que merecem contemplação. Estas são algumas das tarefas que devemos assumir.

Nossa tarefa não é fácil. Estamos sendo convidados a rever o mundo que criamos não mais com o olhar meramente e facilmente crítico depreciativo. É tão fácil derrubar, desconstruir, quando não temos competência para colocar-nos ombro a ombro com o nosso próximo. Por isso nossa tarefa é difícil. Somos nós, os que padecemos de narcisismo, de sedentarismo (ainda que seja uma forma de sedentarismo psíquico que nos faz acreditar em teorias nas quais mais uma vez clivamos o mundo entre pessoas certas e pessoas erradas). Nossos próprios desvios psicológicos e nossas necessidades narcísicas nos fazem condenar aos demais e repetir toda a história da humanidade onde sempre criamos a necessidade de ricos e pobres, líderes e liderados (rigidamente estabelecidos), nobres e plebeus, ortodoxos e heterodoxos, salvadores do mundo e destrutores do mundo, absolutamente bons e absolutamente maus, este partido e aquele partido...

Talvez esta globalização que estamos vivendo, com tudo de absurdo que há nela, seja enfim uma oportunidade de viver como se vivia na aldeia, um convite a sairmos do conforto umbilical de estar certo das nossas certezas. A chance de desfrutar prazerosamente do ato de viver a satisfação dos nossos desejos naturais e até alguns a mais, atendendo também ao desejo de que as gerações futuras possam desfrutar do mesmo prazer de cuidar do mundo.
Povoado do Vale do Capão, em 16/9/12, Aureo Augusto.

2 comentários:

  1. Grande discurso! (Não me refiro à extensão, rerrerré!).
    Primeiro que a filosofia de Eoicuro é largamente mal entendida (ou mesmo deturpada).
    Dizem: "O que importa é o prazer. Comer, beber, dormir e fornicar, o mundo que se... exploda!".
    Pois é, não é3 nada disso.
    Segundo, porque somos induzidos a pensar homogeneamente, tudo igualzinho, "Admirável mundo novo", pisou na risca: tá fora!
    E a principal ferramenta desse sistema é a propaganda. Não falo só da propaganda comercial, aquela que entra em sua casa, lhe agarra o pescoço, e diz: "Compre, compre, compre!", mas o conjunto que se chama ordinariamente de "informação". Esta incorpora o pensamento de Hitler (de Hitler, não de seu ministro. Já consta no "Mein Kampf", de 1934): Mentiras muito repetidas, parecem verdades.
    Como agora, depois da condenação pelo SBF - Supremo Bacanal Federal - dos réus de um "mensalão" que, provavelmente, não existiu.
    Creio que este (a propaganda) é o nosso grande inimigo, e dele devemos nos defender e proteger.
    _Abraço.

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  2. Ei! eu não sabia que o Mein Kampf (que um amigo traduziu por "me campei") já mencionava a frase que para mim sempre foi do ministro da propaganda. Gostei de saber.
    Penso que Epicuro sempre foi pessimamente compreendido. Um sujeito daquele sendo confundido com alguém que propunha comer, beber e fornicar, que conda!
    Cuidemo-nos.
    abração.

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