quarta-feira, 18 de julho de 2012

DO DESESPERO AO DOMÍNIO

Hoje uma jovem mulher veio à consulta. Há anos, era uma criança que gritava todo o tempo, quase não falava. Havia um desespero nela. Mesmo assim um rapaz se interessou por ela e casaram. Ele é um bom homem, mas é um bom homem com todo o ranço de séculos e crê e age do jeito de que a mulher deve apenas obedecer e seu gosto, o gosto da mulher, não é algo a ser levado em consideração – pensa, e há sinceridade nisso, que o mundo ainda é regido pelo mesmo motor que moveu aquele em que seu pai viveu – e vive. O tempo passou e ela cresceu. Um dia, procurou-me para uma consulta. Sua queixa foi inusitada. Dizia que havia reconhecido em si um tormento e que ela estava destruindo o próprio casamento. Explicou-me que seu marido, apesar dos conceitos era (é) uma boa pessoa, e que as dificuldades matrimoniais não dependiam necessariamente do comportamento dele, mas era mais, do desespero dela, prévio ao casamento, que lhe impedia agir com calma e pensar, que lhe impingia uma maneira de viver aos gritos que era o mesmo viver de sua mãe.

 Nos últimos tempos ela havia descoberto o espiritismo – me disse – e a custo estava começando a conseguir pensar, e foi assim que descobriu que precisava sair daquele desespero que a acompanhava desde criança. Conversamos um bocado e propus que lesse o Evangelho todos os dias em uma determinada hora. Quis que pelo menos uma vez por dia, regularmente, sua mente aquietasse em algo. Ela fez. Meses depois nunca mais sua voz se tornou esganiçada e gritante. Eu mesmo não esperava tal resposta.

 Engravidou e como o mundo ao redor não acreditava tanto assim na sua mudança me alertava que eu sofreria no seu parto – que seria um escândalo. Penso que as pessoas ao redor perdem referencias próprias quando as referências do outro mudam, pois referenciamo-nos também no outro (para o bem e para o mal), daí mudar é romper consigo e com os demais... E pariu um parto tranquilo e bonito. E também cuidou do seu filho com uma competência inesperada. Hoje entrou na sala com gotas de suor brilhando na ponta do nariz, como sempre, apesar do frio. Havia um sorriso matreiro nela. Então anunciou-me a gravidez nova. Sorrimos e fiz festa. Então comentei que seu marido deveria estar feliz. Ela riu bastante e disse que ele não queria e ficou muito aborrecido porque ela o enganou, fingindo que estava usando a “pílula”.

 - Mas não se preocupe, disse, em poucos dias ele ficou bem, e começou a me tratar muito bem para me agradar, pois estava arrependido. Percebi que aquela menina agoniada que conheci, tinha em suas mãos o marido machão, por artes cujos instrumentos eram variados, desde submissão até uma forma de rebeldia simpática. Ainda não consegui entender tudo o que ela tem a me ensinar, mas se já a admirava, agora muito mais.

Recebam um abraço admirado de Aureo Augusto.

3 comentários:

  1. aureo,
    Sei que este não é lugar apropriado para a questão, mas como vc é médico aí na Chapada e não tenho outro contato seu, vou perguntar aqui mesmo (caso queira responder em particular, meu e-mail é mcarrijo@yahoo.com). Gostaria de perguntar como tem sido o procedimento para a vacina de febre amarela para os bebês com menos de 9 meses, pois estou querendo ir para a Chapada com a minha família no final do ano e meu filho estará apenas com 5/6 meses.
    Agradeço desde já a atenção.
    Ha, gostei muito da sua exposição. Também pinto e achei seus quadros bastantes expressivos! Parabéns!]
    abçs.
    Murilo

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  2. Caro Murilo,
    Para mim é um prazer responder-lhe. Quando vc vier à Chapada vai ficar triste pq não veio antes!
    A vacinação para febre amarela só é recomendada para crianças acima de 9 meses. A Chapada Diamantina não é área endêmica de Febre Amarela, o que é uma tranquilidade.
    Que a sua viagem seja tranquila.

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  3. Realmente, dominar-se a si mesmo é pré-requisito para um relacionamento harmônico com os demais, sem isso, nada feito. Lido com atenção e meditado, o Evangelho é um ótimo medicamento.
    Já tinha esse conceito na mente, mas nunca tinha cogitado sobre isso: O comportamento dos outros é referência pra gente e, se muda esse comportamento temos que mudar também as referências. Mito esclarecedora sua explanação.
    _Abraço.

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