terça-feira, 12 de junho de 2012

PEQUENOS RETRATOS DE UM MUNDO PEQUENO

Chove, chove e chove, como aqueles invernos no Vale do Capão, vento frio, o frio entrando debaixo do capote. A mesma espécie de silêncio: o som abafado do jeito com que a água funciona como uma esponja segurando os ruídos. Nem céu, nem sol, uma beleza cinza, dias típicos da Londres a maior parte do ano (assim me disseram). Não me importo tanto, até porque me dá uma enorme alegria abrir o chuveiro de manhã e sentir a água na mesma temperatura friazinha do rio no fundo lá de casa. O povo aqui tem uma coisa muito bonita: Eles estão se lixando para o que você está fazendo ou vestindo. Outro dia um homem me chamou a atenção. Sujeito enorme, branquelo, vestido com um longo vestido branco de cetim (acho) e uma vara na ponta da qual um nome: Jesus. E falava umas coisas que, claro, não entendi. Era normal. Ninguém via naquilo algo demais. Passavam punks, muçulmanas com apenas os negros olhos de fora das roupas negras, japonesas (ou descendentes, ou chinesas) com microssaias, homens com argolas pra todo lado, mulheres louras com chapéu careta e pesada maquiagem, africanos com um chapeuzinho redondo na cabeça, sikhs com turbante, homens das mais variadas colorações de pele portando gravatas e paletós elegantes... bem, uma infinidade de tipos muito diferentes entre si, alguns conversando entre si, ostentando suas diferenças em plena aceitação. Mas o fato é que se o cara grandão de branco fosse um apóstolo ninguém ia dar a mínima para ele. É interessante a relação dos ingleses (de qualquer nacionalidade) com a rainha e, por extensão, a realeza. Em uma loja vi máscaras caricaturais da família real para festas a fantasia e na mesma loja os signos da festa e orgulho cívico pelo aniversário da coroação de Sua Majestade. Estou estudando inglês. Um curso rápido e intensivo. Não é fácil para um bocó como eu. Ainda bem que estudei com Luíza, a professora lá do Capão. Eles fizeram um teste oral comigo e, ao invés de ir para o Nível Elementar como estava previsto, me colocaram no Intermediário 2, o que me fez estourar de orgulho, conquanto tenha que reconhecer que o mérito é mais de Luíza do que meu. Mas este nível é bem desafiador, pois os professores descascam. Aqui ou aprende ou aprende. De lascar. As aulas são uma loucura e o tempo passa numa rapidez invertebrada. Percebo que preciso escutar mais eles falando. Para me acostumar. Duro mesmo é entender árabes, chineses, coreanos, enfim, meus colegas. Os árabes e os orientais, dadas as características de suas línguas maternas, encontram bem mais dificuldade do que eu com a pronúncia de certas palavras. Hoje levei uns três minutos para entender minha colega japonesa falando ‘color’. O interessante é que afora isso, eles sabem tudo, tudo, tudo. Uma colega coreana tentou me ajudar com um dever que eu I don’t understend (frase que uso bastante). Mas juntou o não entendimento com o constrangimento de dizer a ela que não adiantava tentar, pois não iria entender mesmo. Por fim, me saí dizendo que I’m very stupidy. Ela sorriu com pena e por sorte a professora interferiu e pude entender o trabalho. Mas posso dizer que eles são tímidos e adoráveis. Estava em um parque quando um jovem hindu e sua imensa família se aproximou. O jovem puxou conversa, pois queria saber onde ficava alguma coisa. Expliquei-lhe que era turista e ele se animou. Perguntou de onde eu era o que respondi complementando que o Brasil teve em seu início forte influência hindu (lembro ao leitor os livros de Gilberto Freire para belas informações sobre isso) e ele de imediato foi lembrando alguns nomes tais como Diu, Goa, Damão e outras colônias orientais de Portugal. Foi em mim grata a sensação de proximidade com os anos iniciais da colonização portuguesa naquela conversa com um herdeiro de Calecute. O rapaz da mercearia próxima é turco, nascido no Japão e morando na Inglaterra há alguns anos. É de agradável trato e olhar triste. Já viveu migrações, nem sempre desejadas, por certo. Já a alegre garçonete do restaurante é portuguesa de Lisboa, com irmã no Brasil. O motorista do ônibus sisudo a quem pedi informação é português, enquanto o jovem e sorridente garçom do restaurante natural onde hoje almocei uma detox salad ficou muito feliz em balbuciar algumas palavras em português, já que sue pai está no Rio de Janeiro, trabalhando. Vocês não acham que de repente o mundo está encolhendo? Daqui a pouco estaremos nos acotovelando. Meu irmão menor foi da marinha mercante; talvez ele nem se lembre de um dia quando me falou que de todas as cidades (e foram muitas) que visitou por este mundo afora, Londres foi aquela onde ele se sentiu em casa. Eu também me sinto assim neste momento. Recebam um abraço multinacional de Aureo Augusto.

2 comentários:

  1. delicioso texto obrigada - é isto mesmo. Mas se puder vá a periferia de Londres - tem lugares que nos sentimos em África o mesmo que na Bahia. Conte mais o que comem aí?

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  2. Querida,
    dei uma chegada na periferia e realmente as coisas não são tão incríveis, mas qualquer miséria aqui é ostentação no Brasil. Impressiona. A comida londrina (a inglesa) não é nada gostosa, mas eles dão mta atenção à comida orgânica e tenho visto mtos restaurantes naturais e/ou orgânicos. Infelizmente não têm o dom italiano para a mesa.
    abração

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