domingo, 27 de fevereiro de 2011

ALIMENTAÇÃO E HIPERTENSÃO

Uma das leitoras do blog, Nayara, pediu que comentasse sobre alimentação e hipertensão arterial essencial, que é a situação onde a pressão sangüínea está aumentada. Quando se mede a pressão, dois números são anotados, por exemplo: 13x8. Para o assunto de nosso interesse nesta “conversa”, o número menor é o mais importante. Assim se este número estiver acima de 8,5 por duas vezes, já devemos ficar ligados porque podemos estar com o quadro hipertensivo. Quero começar com uma receita simples, e assim atendo também ao pedido de Mariana Rocha que deseja ter umas receitas. Hoje trago um molho que acho incrível para o pão ou o aipim, ou para colocar na salada. Também pode ser usado em verduras cozidas no vapor. Você cozinha as verduras e depois joga o molho por cima, uau! Não se esqueçam de me convidar.
É simples: tomem 2 tomates, 1 dente de alho (ou uma cebola pequena), manjericão a gosto, azeite doce (de oliva) virgem ou extra-virgem e bate tudo junto no liquidificador, depois acrescente orégano. Está pronto. Querendo que fique mais liquido bota mais tomate e azeite. Ponha isso em qualquer comida e você vai ver – escrevendo estas linhas me vem água na boca. Quando temos atividades aqui na Unidade de Saúde da Família do Vale do Capão (USF) a turma sempre me pede pra trazer este molho e o povo se farta de comê-lo com pão integral. Nunca sobrou. O mesmo molho pode ser incrementado com outras ervas (como salsa e basílico) e também com iogurte.
A nossa USF promove, com o apoio da Secretaria Estadual de Saúde (SESAB) e da Escola de Formação Técnica em Saúde (EFTS), todos os anos um encontro de profissionais que trabalham com Estratégia de Saúde da Família e, em uma delas, veio um cardiologista (Dr. Manoel Afonso), cuja primeira frase foi que não dá pra tratar hipertensão sem rever e modificar a alimentação da pessoa doente. Ele comentou que voltava de um congresso sobre o assunto onde o que mais se falou foi justamente da alimentação. Isso me causou grande alegria, já que a pressão alta tem a ver com a resistência dos vasos à passagem do sangue, mas também sofre o efeito de que o sangue, estando excessivamente viscoso (grosso, usando terminologia mais popular), também avança com menos facilidade. Ambos os fatores têm a ver com alimentação.
Já é de conhecimento geral que o sal (cloreto de sódio) é o grande vilão. Ele não apenas estimula os vasos a se “apertarem” como também gera pequenas lesões nas paredes das arteríolas (artérias mais finas) que ao cicatrizar faz que estes vasos fiquem mais rígidos (aumentando a pressão). Assim, é imperativo diminuir este tempero. Em cerca de 4 meses o paladar se acostuma à redução do sal. E usando alho como tempero, a pessoa sente menor necessidade do sal no paladar. Porém devemos tomar cuidado porque os alimentos industrializados contêm sal escondido e Glutamato Monossódico que aumenta a pressão 4 vezes mais que o cloreto de sódio. Daí é importante só usar como tempero aqueles produtos de horta que sua avó usava, como hortelã, salsa, cebola, alho etc. Estes produtos não apenas não prejudicam o hipertenso, como também têm a capacidade de reduzir a pressão e de “afinar” o sangue. Os médicos recomendam AAS para reduzir a viscosidade do sangue, ou seja, para “afinar” o sangue; pois bem, o alho, a cebola e o alho porro fazem o mesmo. Uma alimentação rica em frutas e verduras tem efeito semelhante. O manjericão também reduz a pressão. O azeite doce virgem ou extra-virgem reduz o colesterol LDL, chamado de mal colesterol, aumentando o bom colesterol, protegendo desta maneira o hipertenso, pois o excesso de colesterol aumenta a chance de a pessoa ter “derrame”. Muitas vezes o hipertenso tem alterações no colesterol e isso pode ser corrigido com alimentação rica em frutas, verduras, aveia, abacate e o já mencionado azeite doce.
Como vocês podem notar, temos uma verdadeira farmácia na cozinha que pode tanto prevenir a pressão alta (o que é melhor) como contribuir significativamente para a redução da pressão.
Recebam um abraço sem pressão de Aureo Augusto

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

PANAMÁ DO PARAGUAI

Chegar à casa de meu pai pela primeira vez, dois meses após sua morte foi, no mínimo, estranho. Como de hábito procurei-o na cadeira em frente à televisão e só então me dei conta do que já sabia. A casa vazia dele me dizia do peso do vazio. Minha mãe sentou-se comigo a almoçar e conversamos um pouco, junto com uma tia, sobre o velho. Uma conversa triste, lambuzada de saudade. Mas que aos poucos derivou para outros assuntos, porque a vida e o tempo (o grande aliado) continuam em um riachão que não tem volta. Usei a palavra riachão por causa do sambista, Riachão, que perdeu a esposa e filhos em um grave acidente, mas hoje, aos 90 anos segue laborando roça e samba conforme vi em entrevista à revista Muito. Sim, a dor chega, mas passa; como está na última frase do livro Iracema de José de Alencar: “Tudo passa sobre a Terra”. Para o bom e para o nem tanto.
Minha mãe é um doce! Por duas vezes ela me relatou que acha que está indo embora. Referia-se muito fraca. Deve ser verdade, pois aos mais de 90 anos, tendo perdido o amor de sua vida após 65 anos de matrimônio a vida deve ficar um tanto ou um muito pela metade no que respeita à força vital. Ela sempre se queixa da saúde quando me vê. Pudera! Sou seu filho médico! Mas a conversa costuma terminar em graça e ela ri até mais não poder com as conclusões que lhe coloco. Disse-lhe que tem que agüentar um pouco porque o velho está lá, do outro lado, arrumando as coisas para ela. Para recebê-la em grande estilo. Lembrei-lhe que meu pai sempre foi de demorar nas coisas. Fazia, mas o tempo dele era só dele no jeito de se arrastar. Daí ela terá que esperar pelo menos uns 5 anos antes de ir-se, afinal, disse-lhe, não foram precisos 7 anos para construir aquela casa onde vivemos no bairro do Uruguai? Ela riu ao lembrar-se de um tempo árduo, que passou. No dia seguinte ela já estava com outra fala, colocando-se à disposição de Deus para o caso de ele querer que ela fique até os 200 anos. Aí tive que baixar a bola da coroa velha. Falei: “Mas minha mãe quem vai te agüentar por tanto tempo?”. Ela deu uma gargalhada como só ela. Ficamos então, por um tempo trocando gargalhadas, já que tenho (temos, os parentes) que aproveitar o pouco tempo que ainda nos resta com ela.
Tive outra notícia de morte. No pé da ladeira da Montanha há uma loja que vende confecções e chapéus. Gosto de chapéus. Fui lá e soube que o português, seu dono, morreu. Deu-me tristeza porque gostava de conversar com ele, que nos tempos de mascate vinha ao Vale do Capão vender seus produtos e aqui conheceu muitos que hoje já se foram (alguns deles, tive a alegria de conhecer). Ele me informou que o Capão devia estar muito mudado porque “até um médico vive lá hoje, imagine só!”. Descobriu que eu morava por aqui pelo meu jeito de falar. Como não havia o chapéu que queria (estava em falta panamá), busquei outra loja, quase no pé do plano inclinado e lá um senhor me recebeu. Tinha os panamás que buscava. Como de hábito me queixei do preço. Ele ralhou comigo me dizendo que era feito com palha importada do Panamá daí o valor, se eu quisesse mais barato deveria procurar nos camelôs onde não faltam panamás do Paraguai. De início fiquei atacado com a forma com que falou, mas depois me baixou a ternura. Ele ainda brigou comigo porque não tinha lenço para experimentar o chapéu, antes de me conseguir um guardanapo para tirar o suor da testa. Gostei do cuidado com que manuseava os objetos. Ele os colocava em minha cabeça e não eu. Logo gostou de mim e me disse que muita gente compra panamás do Paraguai e vão às festas e fazem feio quando chega alguém com panamás do Panamá que logo se destacam. Terno. Fiquei com um e fiquei de voltar. Volto.
Estava velho o velho que me atendeu na chapelaria. Logo despedir-se-á da vida. Depois pode ser que fique sem lugar para comprar chapéus. É assim que o tempo se renova. O método é bom, mas de quando em vez dói.
Recebam um abraço melancólico de Aureo Augusto

domingo, 13 de fevereiro de 2011

FESTIVAL DE JAZZ público, privado, idealismo

A jovem mulher chegou na Unidade de Saúde da Família e pediu à coordenadora com voz suave se não havia alguma mesa que lhe pudesse emprestar, pois precisava expor seu artesanato uma vez que o festival de Jazz logo irá começar. Por acaso, entre uma tarefa e outra nas minhas atividades no posto, passei justo neste momento. A responsável pela unidade, explicou-lhe que, primeiro, as mesas eram necessárias ao serviço e segundo, ela não poderia emprestar um bem público para uso privado. Não houve rispidez, mas o rosto da mulher expressava surpresa, algo como uma frase assim: “Não acredito que você não vai me emprestar a mesa!”.
É bem fácil criticar os deputados, senadores, presidente e governadores pelo uso inadequado dos bens da república, mas na hora do que quero ou necessito (mais do que quero do que daquilo que necessito) nem me interrogo sobre o possível desvio ético. Os funcionários públicos ou privados muitas vezes arranjam desculpas para não comparecer ao serviço. Várias vezes já fui interpelado com solicitações de atestados para cobrir faltas ao serviço. Pessoas que vêm ao Vale do Capão para passar dois dias, mas que, tocados pela beleza do lugar, acabam por deixar-se demorar um pouco mais, procuram-me e algumas vezes até se dispõem a pagar uma consulta particular, com o intuito não de preservar a saúde, mas de preservar inatacável sua situação empregatícia. Alguns me trazem argumentos do tipo: “Mas todo mundo faz isso”, ou, “Pior é o que fazem os políticos”. Olho pasmo para eles. E não dou o atestado. Só o faço quando a razão é real. Alguns me dedicam olhares pouco amistosos com minha recusa.
Mas o fato que originou este texto foi o Festival de Jazz do Vale do Capão. Este belo evento tem origem em uma pessoa, Rowney Scott, conhecido aqui no Vale por Roninho. Conheci-o há muitos anos, ao embevecer-me escutando-o tocar saxofone e é uma destas pessoas às quais podemos reputar como “alma boa”. Roninho é uma alma boa. Desde há muito melhora a qualidade humana daqui com a sua presença, e, como músico de qualidade sonhou um festival movido pela qualidade. Sonhou e fez. Hoje, nas reuniões da população este evento é lembrado como algo a ser emulado. Para mim é alegria ímpar ver as senhoras do Capão, como D. Nadir, Beli, Araci, Gessy, até tarde da noite, após um dia de farto trabalho, assistindo (e francamente se deliciando) a uma música muito especial. Compartilhar com elas elogios a um grupo como Viola de Arame. Elogios muitos a um grupo que uniu percussão de alta qualidade com metais – eram umas 40 pessoas – mas que infelizmente não consegui pegar o nome. Excelente! Pensem, Jaques Morelenbaum no Vale do Capão! E Ivan Lins? Este fechou o evento e foi tanta a interação dele com o todo que foi este todo que não apenas o público desejou que não acabasse, como ele mesmo não conseguia se despedir, prolongando o show por muito mais do que o esperado, para a graça de todos.
As músicas, os sons e as palavras remetiam a um estado de paz e respeito ao ambiente, mas não apenas ao meio-ambiente natural, como também ao ambiente humano. Estou bem feliz com o que vi.
Venha no próximo e agora receba um abraço musical de Aureo Augusto

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

VARIEDADE, IDADE, ALIMENTAÇÃO

Escrevi este texto em julho de 2006, mas apesar do tempo, penso que vale partilhar:
A idosa senhora veio à consulta porque sua filha a trouxe, não porque realmente quisesse, já que não acreditava na possibilidade de cura. Para ela a vida havia perdido o sentido. Para que mais tempo aqui na Terra se para nada mais servia? Ela constatava que apenas dava trabalho aos parentes e isso era constrangedor. Sempre cuidara de si e da numerosa prole, agora era cuidada e via que os filhos (e, mais especificamente, a filha) já tinham muito trabalho, tanto que não via justiça em ela dar-lhes mais o que fazer. Não queria acabar, como sua própria mãe, em cima da cama, queixando-se e fenecendo aos poucos. Não queria essa decadência, mas sentia-se aniquilada (esta palavra não tem o mesmo significado que em outros lugares, para a gente daqui, quando uma planta fica murcha já está aniquilada e não necessariamente exterminada ou destruída). Murchara e por isso desejava a morte, o mais rapidamente possível e para tanto, rogava aos céus que tivesse doença rápida e mortal.
Aquela senhora tinha um grave problema, mas o seu problema não era o que saltava aos olhos. Não era a idade. O que estava por detrás de seu sofrimento era a rotina. No caso, a rotina alimentar.
Nós, seres humanos, com freqüência substituímos a alegria pela segurança e, a repetição dos hábitos nos dá uma sensação realmente agradável, conquanto falsa, de segurança. Enquanto a natureza investe pesadamente na variedade, buscamos a padronização pelo fato de que ela nos permite resultados mais rápidos e seguros em determinadas circunstâncias. Conquanto a padronização de hábitos possa ser útil (já imaginou se no trânsito cada um pudesse criar as próprias regras?), sua extensão para todos os aspectos da vida revela-se devastador.
Observo, particularmente nos idosos, uma forte tendência a todo dia comer a mesma coisa. O feijão feito em um dos dias da semana e depois requentado, além de ficar mais saboroso com cada cozimento novo, fica mais fácil de usar. O arroz pode ficar na geladeira. E a farinha é o santo tempero. O que não fica bom com farinha? Aquela senhora era adepta desta rotina. No decorrer da consulta, tratei de mostrar para ela que sua alimentação havia se tornado muito pobre. Ela não acreditou em mim, porque, como disse, “sempre comi assim”. O que não era verdade, e sei disso pelo testemunho da filha. A realidade é que sua comida foi aos poucos se estreitando. A gama de variedades foi se reduzindo. Ora, na natureza não encontramos um alimento completo, ou seja, que tenha tudo aquilo que necessitamos. Conseguimos algumas vitaminas em certos produtos, mas, basta buscar outros alimentos para complementar as nossas necessidades delas; as proteínas estão presentes em maior quantidade em alguns alimentos que em outros, e, muitas vezes, os aminoácidos que as constituem não são encontrados em quantidades adequadas em todos os alimentos gerando a necessidade de busca-los na diversidade alimentar. Um alimento pode até conter em si todas as vitaminas e minerais, porém as quantidades são insatisfatórias de alguns deles. Portanto variar é essencial. Por outro lado, é importante assinalar que na medida em que envelhecemos o nosso organismo vai perdendo a capacidade de absorver nutrientes. Daí, se para os jovens é necessário o consumo de uma variedade de alimentos para alcançar todos os nutrientes que necessitam, os idosos mais ainda carecem de variedade.
Por sorte a filha daquela senhora acreditou no que eu dizia e investiu na alimentação de sua mãe, apesar dos protestos dela. Dessa maneira, e com a ajuda emergencial de suplementos alimentares, a senhora me deu a alegria de, em uma consulta subseqüente, me informar que sua horta estava linda e que bastaria que eu passasse por lá para receber de presente os seus produtos. A vida mudou para ela. Uma nova alegria e uma sensação de rejuvenescimento. Alguns estudos mostram que certos casos de depressão e de dificuldades mentais das pessoas idosas decorrem da desnutrição provocada pelo estreitamento da variedade de alimentos ingeridos. Assim, o velho pode não estar broco, como se diz por aí, e sim desnutrido.
Recebam um idoso abraço de Aureo Augusto.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

DIAS TRANQÜILOS e AGITOS

Já há um clima no Vale. A labuta da preparação para arrumar a casa antes da chegada das visitas. Acontece é coisa neste Capão. Nesta semana tivemos um encontro de Yoga, que foi bastante elogiado, agora nos próximos dias teremos o festival de Jazz que, se for metade do que foi no ano passado já será maravilhoso, mas com certeza será o dobro, porque os organizadores são pessoas cuidadosas e competentes. Depois teremos um encontro de artes do circo e no final de março outro encontro relacionado com o circo. Ninguém pode dizer que a vida no Vale do Capão é desprovida de atividades. Aqui neste lugar, há lugar para aquele que apenas quer contemplar, olhar as serras, o caminhar das nuvens, a competência do sol em construir cores na vegetação e nas rochas; há espaço para quem quer correr mundo, visitar os recorridos das montanhas, perscrutar suas fissuras, buracos, descobrir platôs, acompanhar rios, observar os locais em que a água se engruna, ver lá do alto, nos picos o movimento dos pássaros e divisar distante horizontes de serras, novas terras; há pouso também para quem se afeiçoou à cultura e se agrada com capoeira (2 grupos, Angola e Regional), artes circenses (temos inclusive escola de circo), coral, grupo de teatro, lugares para conversar sobre literatura, cinema etc. pois há restaurantes pensados para isso, com apresentação de cinema... Há muita coisa, às vezes dá dúvida quanto ao que fazer ou aonde ir, por muita opção que há.
Há ônus para os moradores desse movimento. Algumas vezes cansa a ida e vinda de motoboys, alguns visitantes são pessoas desagradáveis que deixam de respeitar os hábitos e a rotina local. Esquecem que todos despertamos cedo para trabalhar e fazem farra até muito tarde, com muito barulho e dessa maneira incomodam sobremaneira. Outros, que aqui aportam buscando a paz, trazem aparelhagem de som que mantêm no máximo volume ou resolvem gritar... Por sorte não passa de uma minoria, embora bastante incômoda.
Inda assim, conversava com uma senhora em um período de entressafra de atividades turísticas e disse pra ela que estavam bons aqueles dias tranqüilos. Ela fez um bico e disse que gostava do Vale do Capão cheio de gente, que para ela os tempos de antigamente eram uma “nojeira”, sem ter o que fazer nem nada pra olhar. Achei isso muito engraçado, pois não esperava que os idosos quisessem agitação.
Recebam um abraço agitado de Aureo Augusto