sábado, 29 de janeiro de 2011

HERMENGARDA e os TEMPEROS

Gosto muito dela. Apesar de sua cabeça já alva, continua trabalhando duro na roça. Algumas vezes, quando vou a Palmeiras, cruzo com ela na estrada, indo ou voltando da lide, com a cabeça equilibrando a lenha do fogão, ou algum paiol de palha com os produtos que colheu para alimentar a si e aos seus. Acho interessante que, tendo vivido toda a vida no pequeno e isolado povoado da Conceição dos Gatos, perto do Capão, tenha se interessado por colecionar improváveis objetos. Vamos chamá-la de Hermengarda porque este nome me sugere coisas de antigamente.
Hermengarda me alegrou logo na primeira fala quando fez a consulta. Disse-me que não gosta de usar remédio de farmácia, preferindo usar plantas medicinais do seu quintal. Seguimos no tempo e novas consultas, bastante irregulares, assim como irregular foi o seguimento dos conselhos. Gosto de gente como Hermengarda, desobediente. Por outro lado, preocupa-me gente como Hermengarda, desobediente. Expliquei a ela que o caldo de galinha é riquíssimo em colesterol e que os temperos artificiais, que tanto gosta, contêm com freqüência glutamato monossódico que aumenta a pressão. Complementei que tempero tem que ser aquele que sua mãe usava, da horta. Foi aí que me olhou com aquele rosto miúdo e enrugado, levemente inclinado e sorridente e disse que a comida ficava desenxabida sem estes temperos. Enterneceu-me a declaração. Vi em minha mente o tempo em que aos poucos seu paladar foi se viciando no sabor forte que eles trazem. Ela não sabe, mas o glutamato monossódico realça os sabores que dessa forma atingem com mais força as papilas gustativas dando a impressão de mais sabor. Assim deixamos de nos concentrar no paladar, paramos de prestar atenção às sutilidades do gosto, ficamos dependentes do ataque ríspido das comidas fast food. É por isso que nos enlatados salgados colocam um pouco de açúcar e nos doces colocam um pouco de sal. Truques que não são ilegais, nem imorais (alguns deles fazem parte da cultura ancestral), mas que à larga geram dependência ao sabor industrial.
Resolvi usar um argumento guardado na manga: Disse que ela não gostava de usar medicamentos porque eram químicos, daí a irregularidade e a rebeldia com as medicações anti-hipertensivas, mas usava como tempero substâncias industrializadas do mesmo jeito que os remédios de farmácia. Ela parou. Sua cabeça tremeu levemente. Sorriu e disse: “Mas são gostosos”. Continuamos conversando e listei os problemas que os temperos artificiais trazem, mas acho que não a convenci. Seu desprezo pela química dos laboratórios esbarra no aprendizado do paladar. E ela não está sozinha nisso. Milhões de pessoas em todo o mundo caiu nesta rede, nesta armadilha. Chegam a pensar que sempre comemos assim. Tem gente que acha que desde os tempos imemoriais comemos pão branco, açúcar branco etc. Sem memória, sem consciência. A industrialização e os conhecimentos modernos trouxeram muitos benefícios para a humanidade, porém também algumas perdas, como é o caso do uso de temperos. Hermengarda ganharia muito se ainda usasse os temperos de sua mãe e avó, vejamos alguns poucos exemplos:
Alho: O alho, graças à alicina, reduz o colesterol. É anti-infeccioso. Afina o sangue (o mesmo efeito que o AAS, embora mais fraco e, mais importante, com menos efeitos colaterais). Compostos sulfúreos presentes no alho reduzem o efeito cancerígeno das nitrosaminas que encontramos em calabresas, carnes, no fumo etc. Como se não bastasse, contribuem para que as células cancerígenas se suicidem (apoptose). Reduz a taxa glicêmica, ou seja, a quantidade de açúcar no sangue diminuindo a necessidade de insulina. As substâncias positivas do alho são melhor absorvidas quando consumidas com óleo (azeite de oliva virgem é a eleição).
Cebola: Reduz o colesterol. Reduz a taxa glicêmica. Contém os mesmos compostos de enxofre que o alho, com os mesmos efeitos. Alho porró também.
Manjericão, hortelã, orégano e alecrim: Estes temperos foram comparados com uma medicação contra a angiogênese (nos casos de câncer convém reduzir a angiogênese que é a formação de novos vasos sanguíneos), o Glivec, e cada uma delas ganhou da medicação. A salsa e o aipo (por causa da apigenina) empataram, mesmo em doses baixas. Além disso, a salsa é grande fonte de vitamina A (betacaroteno). O alecrim, ademais, contém carnosol que diminui a capacidade do câncer invadir os tecidos vizinhos. Importante: O efeito das ervas misturadas (e também das verduras e legumes misturados) é muito mais forte. Veja o livro de Servan-Schereiber, Anticâncer (Ed. Fontanar).
Gengibre: Antiinflamatório, antioxidante, reduz a angiogênese em casos de câncer.

Hermengarda é uma mulher extraordinária. Sua teimosia deu-lhe a vida que tem e a felicidade de poder ainda ir para a roça. Não posso dizer o mesmo de sua filha, que já padece as conseqüências da alimentação inadequada. Hermengarda conheceu e se viciou nos temperos artificiais depois de velha, sua filha era mais jovem e por levar mais tempo da vida em contato com eles, e com outros vícios da alimentação moderna, já apresenta os sintomas decorrentes de tais vícios. E como será para a neta? Preciso conversar com a filha de Hermengarda, talvez ela não seja tão teimosa.

Recebam um abraço temperado, Aureo Augusto

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

FESTA DO PADROEIRO

Ontem foi o fechamento da festa de São Sebastião, ocasião em que o vale se engalana. Gosto muito desses dias, que incluem uma novena muito concorrida. O pessoal que aqui nasceu costuma retornar nestes dias, para rever parentes e a terra e por isso o período tem o sabor de um reencontro. Forró após cada umas das atividades religiosas da novena (exceto no dia do falecimento de D. Maria, veja postagem do dia 18/1/11) e na noite de sábado vários shows. Jonga Lima, que já morou entre nós, foi o grande brilho, com o grupo Sambatrônica, cuja apresentação foi fenomenal, e moveu a alegria da comunidade e dos visitantes, com sambas excelentes, tanto de verve própria quanto da tradição da nossa música. O domingo foi o auge, com a procissão, os andores, cânticos. A praça recém-calçada estava linda, toda enfeitada de bandeirolas, com aquele ar tão agradável das festas do interior. Apenas no final a correria porque caiu uma chuva muito forte, mas que não empanou a beleza da festa.
Como sempre sou chamado a fazer alguns atendimentos porque sempre tem alguém que bebe a mais do que devia ou cai por olhar mais para os enfeites do que para onde pisa etc. Desta vez contei com a ajuda de Gleiton, o enfermeiro que trabalhava aqui no posto quando cheguei. Ficamos muito amigos naquele período e para mim é sempre uma alegria encontrá-lo. Atendemos juntos a um homem que exagerou na farra e sua mãe que pensou que exagerou na preocupação com o exagerado filho e a pressão subiu. Foi bem legal compartilhar novamente o trabalho com tão grato amigo. Mas com Gleiton (e com o Vale do Capão) as coisas costumam ter história. Vou contar:
O meu amigo enfermeiro deixou muitos amigos aqui no Capão dado o seu “sangue bom”. Arlete, talvez a mais teimosa e difícil de nossos clientes, naturalmente viu que ele é uma boa pessoa para apadrinhar uma de suas filhas e convidou-o. O tempo passou e ela veio ao posto me perguntando se eu sabia o seu telefone. Claro que só pelo prazer de obrigá-lo a vir aqui dei o número e Arlete lhe instou a vir nos dias da festa para o batizado. Isso para Gleiton não é problema porque o sujeito é bom de festa e de cerveja. Aí chegou a hora do batizado. Domingo, pela manhã, ele vestiu a domingueira e à hora marcada estava na igreja esperando. Quem disse que Arlete chegou. Arlete é uma figura e que faz tudo de um jeito que não é o jeito proposto, contratado ou definido. O padre fez aquele batizado em grupo em que muitas crianças são batizadas em conjunto. E Gleiton, sem ter quem batizar ficou ali por um tempo, mas depois foi-se embora fazer o que mais gosta, tomar umas cervejas com os amigos. Nem bem começara e chegou Arlete esbaforida. Atrasara-se, explicou a grande novidade que já era assunto para risos na roda. Arrastou-o à igreja e, sabe-se lá por que artes de convencimento, conseguiu que o padre lhe batizasse a criança de forma especial. No final deu tudo certo, já que Arlete bem que é especial!
Pelo menos matei a saudade do meu amigo e tivemos bom motivo para rir.
Abraços a todos de Aureo Augusto

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Alimentação das crianças - UMA BOMBA QUE VAI EXPLODIR

O Roberto Cunha (autor de Um Homem em Movimento e Aprendendo com a Vida) me mandou há alguns dias um e-mail com um anexo comentando sobre a nossa vida quando éramos crianças, sem as proteções de hoje, desasnados correndo riscos inimagináveis em carrinhos de rolimã, longe dos olhos dos pais, enturmados com amiguinhos destrambelhados como nós mesmos. Comíamos coisas absurdas (eu mesmo, me especializei em pinaúna crua quando dava a fome na praia de Roma ou de Cantagalo – por sinal, poluídas) e, ainda assim, conseguimos sobreviver. Gostei muito da mensagem, embora saiba que não era um mundo sem doenças. Um dos principais toques do material é que tínhamos muita atividade física. Muita. Lembro-me de fazer corrida sobre os muros das casas, corrida sobre recifes cobertos de limo, competições de natação, picula, guerrô etc. Era uma vida ativa. Também, fora a escola, não tínhamos quase nada com que nos preocupar e, longe dos olhos dos pais – o que era bem freqüente – a liberdade era nosso atributo. Hoje a vida das crianças nas cidades é bem diferente. Elas têm até agenda!!! Além disso, os perigos são bem maiores. Chama atenção a redução dramática dos exercícios já que muitos dos brinquedos de hoje são virtuais, além da exponencial perda da qualidade na alimentação.
Há uma coisa que me causa horror: Em uma palestra de um dos Encontros de Profissionais de ESF do Vale do Capão, um cardiologista (Dr. Manoel Afonso) recomendou que medíssemos a pressão sangüínea das pessoas a partir dos 8 anos de idade. Isso porque a hipertensão arterial está atingindo cada dia mais aos jovens. Uma enfermidade que antes só atingia adultos e idosos está se estendendo às nossas preocupadas, sedentárias e (cada dia mais) obesas crianças. Observo com tristeza crescente como os pequenos do Vale do Capão estão aderindo cada vez mais aos “salgadinhos”. Na merenda escolar é o que mais está presente. Quando era menino eu levava uma merendeira para a escola. Ali havia suco e pão com queijo. Era pão branco, e o suco, após algumas horas já tinha perdido muito de seu valor nutricional, porém ainda assim era bem melhor que os salgadinhos com seu excesso de sal, com seus colorantes, com o excesso de ômega 6 (que é um óleo essencial, muito bom, mas excesso aumenta as inflamações), às vezes com xarope de milho, e com sua pobreza em nutrientes essenciais. Para mim os estudantes que agora consomem os salgadinhos irão engrossar daqui a poucos anos as estatísticas de hipertensão e diabetes e os gastos governamentais com acompanhamento ambulatorial para estas enfermidades. Inda mais porque, mesmo aqui, a invasão dos plays de computador já chegou. Vocês não fazem idéia da minha tristeza. Menos mal que o ambiente convida ao banho de rio e ao jogo de bola!
E quando chegam em casa o que comem os jovens? Antes a pobreza levava a perda de qualidade, hoje, quando o Vale está bem melhor economicamente, há ampla oferta de produtos industrializados, caldos de carne e de galinha e outros temperos artificiais repletos de, por exemplo, Glutamato Monossódico que é 4 vezes mais hipertensor do que o próprio sal (Cloreto de Sódio), acompanhados de refrigerantes. O que será desta geração? Sal em excesso e Glutamato, favorecendo instalação da hipertensão, refinados hiperglicemiantes que incitam o diabetes tipo 2 e estimulam as inflamações, incremento das calorias aumentando o peso, redução da ingestão de cálcio (marcante na juventude brasileira) e aumento de refrigerantes e açúcar branco que retiram cálcio dos ossos, predispondo à osteoporose...
Penso que não estou sendo exagerado em minhas preocupações. O que vocês acham?
Recebam um abraço preocupado, Aureo Augusto.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

MORTE e VIDA

Neste exato momento (11horas) faleceu Dona Maria. Fui vê-la há alguns dias e não estava nada bem; acamada desde algum tempo, pouco se relacionava com o mundo, ensimesmando-se cada vez mais em um outro mundo que seu olhar distante percorria. Fiz algumas recomendações e juntamente com a família discutimos a conveniência de uma internação. Todos fomos do parecer que com 102 anos (4 a mais do que a idade registrada nos documentos) e evidentemente no final da vida, não seria bom para ela nem para os seus fosse internada. Agora, 15 dias depois voltaram a me chamar. Vinha conservando-se tranqüila, comendo pouquinho, fazendo pouco contato; esta noite começou a respirar com dificuldade. Examinei-a e comentei com os familiares que estava muito próximo o momento da despedida. Como tinha dificuldade de comer, decidi colocar um soro na veia até para facilitar o acesso a alguma medicação. Saí para buscar e logo a nora veio me pedir que voltasse, pois “parece que acabou”. Voltei examinei e acabou.
A filha segurava a mão de D. Maria entre as suas fechando-a ao redor de uma vela acesa. Ela sabia que chegara o momento, mas quando confirmei, dobrou-se sobre si mesma em um esgar de dor. Chorou alto. Toquei-lhe o ombro. Seguiu em seu choro, agora silencioso. Fiz uma oração silenciosa. Abracei os demais. A filha de pronto agradeceu à mãe por tudo, por tantas coisas, pela dedicação e pediu perdão por algo que tenha feito de mal a ela. Depois voltou a agradecer e disse o quanto ela foi uma boa mãe. Os demais estavam em silêncio. Retirei-me. Na porta, a rua está sendo calçada. Chamei o operário e lhe disse que logo teríamos uma romaria ali, pois se trata de uma senhora que viu várias gerações, madrinha de muitos meninos que hoje são homens e meninas que hoje são mulheres, amiga de tantas e por aí vai. Disse que havia de rejuntar logo os paralelepípedos para não perder seu trabalho. Logo se moveu e enquanto escrevo, ele rejunta. O mundo segue com suas dores e seus trabalhos... A serra verde e o céu azul, o vento de doce olor me lembra que as alegrias estão a par dos acontecimentos tristes e a dita permanece ditando a vida enquanto há vida.
Recebam um abraço em paz de Aureo Augusto

domingo, 16 de janeiro de 2011

O FILHOTE TRANQUILO

Aqui no Vale do Capão há um passarinho pouco maior que o tico-tico, e mais elegante, que ostenta uma cabeça amarela e na barriga um azul celeste inigualável. Sua beleza atrai a atenção imediata. Ontem, Cybele e eu encontramos um pequeno bando deles quando voltávamos de uma caminhada ao poço da Cruzinha, onde nos banhamos. Achamos que estavam um pouco agitados e logo descobrimos a causa. Um filhote estava firmemente ancorado em um graveto na beira da estrada, uma posição perigosa. Os adultos agitados pareciam incitá-lo a voar, a sair dali o quanto antes. Já o filhote parecia não estar disposto a afastar-se da suposta segurança do pouso em que se encontrava. Ficamos preocupados com o destino do pequeno e nos dispusemos a vigiar enquanto a situação não se resolvesse. Imaginamos que havia caído do ninho e um morador próximo, que tem o apelido de Barão, considerou a possibilidade como verdadeira. Então, os três ainda procuramos onde poderia estar o ninho para devolvê-lo, mas não tivemos sucesso. Enquanto isso, os pássaros adultos continuavam ao redor do filhote, sem levar nossa presença em consideração, só se afastando quando nos aproximávamos a ponto de estarem ao alcance da mão. Em dado momento dois adultos que supomos serem o pai e a mãe se aproximaram com frutinhas negras nos bicos e deram de comer ao filhote. Em seguida todos se afastaram, deixando o filhote só. Barão foi cuidar de sua vida enquanto Cybele e eu começamos a deliberar. Pensamos na possibilidade de que o pequeno não conseguia voar e os adultos na impossibilidade de carregá-lo decidiram abandoná-lo. Pensamos até em trazê-lo a nossa casa, mas e se ele não aceitasse comer? Cybele encontrou as frutinhas que os pais lhe tinham dado e eu aproximei-me do bichinho com uma delas. Ele olhava para mim aparentemente sem medo. Pude tocá-lo sem que esboçasse qualquer tipo de reação. Em seguida ofereci-lhe a fruta. Nem abriu o bico. Mas quando, sem querer levei minha mão por cima da sua cabeça, em uma configuração que lembrava a altura de seus pais ele abriu o bico. Segurei a cabeça dele com muita delicadeza e ele abriu o bico e aceitou prazerosamente o alimento. Isso nos animou, caso estivesse abandonado, poderíamos alimentá-lo. Mas nesse momento os adultos voltaram. Ele começou a dar pequenos vôos/saltos e depois voou para lugar seguro, mas ainda ao alcance de nossas vistas. Foi uma alegria para nós vê-lo junto a seus pais voando daquele jeito infantil. Ficamos tão felizes de encher os olhos de lágrimas.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

CAMINHADA e GRATIDÃO

Gosto de sentir o sabor do vento e o friozinho que toca o rosto na subida da serra, indo de Palmeiras pro Capão. A meta é chegar ao Vale. Sempre os visitantes vão se encantando na medida em que se aproximam deste lugar, mas a viagem tem o seu lugar. Não fosse a viagem parte do encanto se desfaria. Uma vez Cybele e eu íamos para um lugar encantador chamado Águas Claras, logo atrás do Morrão (nome atual do Morro da Sela). É uma boa caminhada por uma paisagem realmente muito bonita, com ampla variedade de vegetação, cursos de água discretos e deliciosos, áreas descobertas, campos amplos... Então surpreendeu-nos a certa distância um helicóptero. Desceu e dele saíram algumas pessoas. Chegaram em Águas Claras. Não se demoraram muito. Olharam e se foram. Perderam metade do processo que é a caminhada. Tenho certeza que para eles o lugar não representou o mesmo que para nós. Há um lugar, depois de um córrego que não passa de uma película de água sobre o caminho e que logo cai à direita em um arremedo de cachoeira, uma miniatura de um mundo opulento. Depois deste lugar acontece uma transformação no mundo. Aí entramos mesmo nos gerais e é como se houvéssemos transposto um portal. Muda tudo. Cybele quem notou isso e me indicou. É palpável, mas só o é depois que percebemos e só notamos quando já caminhamos cerca de duas horas!
Com agrado saboreio o agrado de haver alcançado as metas objetivadas, porém o caminho não só possibilita aquele agrado como também nutre-nos com suas agradáveis vistas, vitórias.
Agora estou feliz ao ver que o meu blog alcançou mais de 10900 visitas. Um número, para mim, magnífico. Uma conquista e tanto. Pessoas de lugares tão díspares como Holanda, Costa do Marfim, Ucrânia, Estados Unidos etc. visitam-no com regularidade e isso é, para uma pessoa nascida no século XX, assombroso. Ao mesmo tempo percebo o quanto foi agradável escrever cada uma das linhas que foram lidas por todas estas pessoas. Mesmo as linhas das experiências tristes, mesmo elas, escrevê-las foi um ato de amor, gratidão e prazer. Estou bem feliz por estar aqui e mais ainda pela caminhada que fizemos e sou grato a cada um de vocês que leu estas linhas.
Gratidão especial para aqueles que seguem regularmente o blog; na minha ignorância tecnológica internética nem sei como me dirigir a cada um de vocês, mas aqui vai posto o nome ou codinome de cada um (por ordem alfabética), e com isso espero armar inda mais o móvel de nossa proximidade virtual: Ada Barbosa, Afrânio Campos, Aldeness, Alice Cunha, Amanda Balvito, Ana Júlia Pinheiro, Ana Lúcia S. Oliveira, Ana Rosa, Andreas Roddewig, Antonio Bandeira, Anne Sobota, Atelier Sala de Arte, Beto, Carla Fabiane, Carlos Chastnet, Carol, Catia Silene, Claudia Rangel, Cristina Rodrigues, Daniel Molina, Danúbia, Dermival Almeida, Diogo, Douglas Costa, Duda, Élcio Sá, Enilzete Mendes, Ermania Jaglete, Felipe Bacelar, Firdauz, Flor do Campo, Fred, Freddy de Freitas, Girleide Costa, Glauvania Jansen, Honalee16, Inês Vitória, Jornalismo 24 Horas, José Neto, Isa Maciel, João Frederico, Jr. Pituba, Josenice, Joziele, Jucilene, Jucilene Santos, Julia, Jucimara, Ka, Keli Regina F. Nascimento, Kiko, Luciano o gato Ferreira, Márcia Corina Lins, Márcia Cristina S. Barros, Maria Júlia Falzetta, Mari, Marília Cavalcante Reis, Marina Utsch, Mayara Silva, Miriam Santana, Moisés, Narinha, Petescadas, Peu Burger, Raymundo L. Lopes, Ricardo, Rita Barros, Rita de Cássia Barros, Rosa, Rosane Pinheiro Caribé, Sandra, Só no Mundo Virtual, Sunna P. de Azevedo, Thai-wtt, Thereza Christina Coelho, Thiago Caribé, Valdeir, Vamodibuzu, Washington Bacelar, Washington da E., Zete. É uma turma legal! Recebam meu abraço carinhoso.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

MOMENTOS DIFÍCEIS 2 - estar do lado de cá da dor

Hoje desejo comentar a experiência de estar do lado de cá, ou seja, como doente ou acompanhante de um enfermo. É angustiante esta experiência, mesmo sendo médico. E, a UTI é um lugar terrível. Para mim foi doloroso ver um homem como meu pai, tão dono de si, prostrado, cheio de tubos e agulhas, ruídos estranhos ao redor, pessoas estranhas (embora cuidadosas) labutando com seu corpo. Pior: perceber que apesar de todo o esforço, das medicações e dos conhecimentos médicos (aos quais sou muito grato pela sua dedicação), o tempo só trazia más notícias; aquele período foi uma amarga corrida de obstáculos paradoxais, onde era como se estivéssemos correndo com a testa presa a uma parede intransponível e inamovível. Apenas a estrada do tempo correndo sob os pés, perene, modorrenta e dura. Nenhuma resposta. Nenhum som que não os dos aparelhos. Vazio de esperanças o tempo era apenas mais uma das amarras que o prendiam ao leito. Por fim a sensação de que de alguma maneira meu pai já estava deslocado daquele corpo. Um deslocamento que no final já não implicava dor física, uma vez que estava sedado (o que em meu sentimento piorava as coisas na medida em que complicava, ou melhor, impedia qualquer comunicação, amplificando a sensação de desvio vital na relação corpo/espírito ou corpo/consciência), mas que não impedia a idéia, crença ou sensação de dor psíquica, porque inconscientemente me colocando na situação dele, causava-me profundo desconforto sentir-me como quem não consegue articular o corpo, ou, dito de outra maneira, articular com o corpo. A angústia que senti foi muito grande na medida em que entendia que já não havia ali aquela pessoa, ou, melhor, que aquela pessoa, conquanto permanecesse existindo, não existia naquele corpo, ou com aquele corpo, ainda vivo, porém inoperante. Em que medida meus dedos acariciando-lhe a fronte alcançava-lhe a consciência? Onde o sinal de que seu nome, pronunciado pelos meus lábios, atingiam algum lugar onde ele se sentisse ele mesmo? Confesso que a partir de dado momento, em que era muito claro que não havia retorno e que qualquer miraculoso retorno implicaria numa vida de subsistência que representaria uma vida vitalmente marginal, desejei que os médicos desistissem de tentar algo que conquanto atendesse a um imperativo profissional (talvez discutível), representava a manutenção de um estado inadequado de viver, exatamente por ser um não viver. Meu pai, ao contrário de outros na mesma UTI, estava com suas funções vitais bastante comprometidas e, por isso, me perguntava como seria a sua vida se, na hipótese de um milagre, voltasse a adquirir alguma consciência. Talvez tivesse que subsistir o resto de seu tempo em uma UTI. E é isso viver? Vi um senhor ser conduzido paciente e amorosamente pelo fisioterapeuta e outros funcionários para fora da UTI e assim poder olhar momentaneamente o jardim abaixo e sentir a luz do sol. Emocionei-me pela bondade daqueles funcionários e o rosto do homem me dizia que ainda havia justificativa para a sua luta. Não sentia o mesmo olhando para as feições macilentas e o olhar vidrado de meu pai. Talvez estas palavras dolorosas sejam expressão mais de um desespero do que de uma necessidade que está além da dor, mas ouso colocá-las no papel porque insisto em que merecem contemplação. Peço que sejam objeto de reflexão. Porque acredito que elas podem nos fazer pensar no que é efetivamente estar vivo. Penso que podemos pensar o ato de viver em seu sentido pleno como a possibilidade de ter a possibilidade de ser pleno. Para tanto carecemos de algum grau de autonomia ainda que seja apenas mental (indissociável da emoção). Ora, meu pai, estava em uma condição que no mínimo teria que permanecer sedado, caso (repito) miraculosamente saísse do quadro. As restrições seriam tantas que certamente não viveria e mal subsistiria. Mas o que subsiste não é gente.
Claro que na hora não pensei nisso tudo e nessa maneira. Apenas sentia uma dor que tomava o corpo e o tensionava, com epicentro na área cardíaca. Ainda agora, dias após sua morte, quando escrevo estas linhas, percebo em mim um cansaço inusitado, como se a pressão que vivi houvesse durado meses ou anos e o meu ser careceria, portanto, de meses para recompor-se. Quero reiterar minha gratidão àqueles que, na UTI do Hospital Santa Isabel, cuidaram tão atenciosamente de meu pai e também de nós, familiares, mas também quero que pensemos um pouco sobre o significado da vida, a partir desta experiência dolorosa e desafiadora.
Recebam meu abraço, Aureo Augusto.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

MOMENTOS DIFÍCEIS no fim do ano

Entre o Natal e os primeiros dias de 2011 vivi momentos angustiosos; meu pai foi internado, com dores insuportáveis e, em uma tentativa de salvar-lhe a vida, os médicos optaram por lhe amputar a perna esquerda. Aqueles que me lêem ou ouvem sabem que tenho lutado por uma melhoria da relação médico/paciente. Em alguns artigos usei exemplos do que vivenciei em hospitais e outros lugares onde as pessoas doentes foram tratadas de forma inadequada. Desta feita, apesar da enorme dor pela qual passei, devo registrar que fiquei feliz com a forma como toda a equipe do Hospital Santa Isabel cuida daqueles que precisam dos serviços daquela casa.
Quando cheguei a Salvador, encontrei-o consciente e, logo que me viu, brincou perguntando se o chapéu que eu usava não era o dele. Notei que estava mais falante do que de costume, e interpretei que isso era por causa da ausência da dor que o acompanhara por meses, lancinante, na perna recentemente amputada. No dia seguinte de manhã mostrava grande cansaço, mas ainda assim pôde manifestar a minha mãe, que o visitava, sua gratidão e amor por ela (foram mais de 60 anos de casados). Naquela tarde piorou e aos poucos o quadro foi piorando, culminando com a morte no dia 30 de dezembro de 2010. Os dias vividos na UTI, antes da sua morte foram de muita angústia para todos os parentes e amigos. Cada exame revelava apenas más notícias e a conduta médica hospitalar, conquanto pautada em muito cuidado, revelou-se frustra. Em dado momento, meu sentimento foi de que deveríamos parar de tentar e permitir-lhe encontrar o destino final de todos nós em paz. Apesar de me ter desvanecido em choro intenso, tive uma sensação de alívio no momento em que o médico da UTI me disse que já não havia mais nada a fazer senão aguardar a morte, pois já haviam tentado todas as possibilidades sem sucesso. A partir daí estabeleceu-se uma espécie de silêncio e uma espera tranqüila pelo momento final, que chegou aos poucos até o momento final. Não posso deixar de anotar a forma como o pessoal do Hospital Santa Isabel se portou naquele então. Uma auxiliar de enfermagem sumamente discreta e a uma distância respeitosa vigiava, enquanto aguardávamos o momento especial da passagem e procurávamos manter um ambiente espiritualmente agradável. A auxiliar registrou o momento da morte, porém ninguém se aproximou enquanto eu pronunciava em voz baixa minha despedida, manifestando minha gratidão por tudo que ele me deu e por tudo o que representou e ensinou para mim. Apenas quando eu mesmo solicitei a presença de alguém, uma enfermeira veio e me disse que o médico estava pronto para vir constatar o óbito. Em alguns escritos publicados e em palestras tenho registrado e criticado a forma desumanizada com que o pessoal da saúde tantas vezes trata àqueles que sofrem. Já tive uma briga feia (contra minha habitual maneira de atuar com os colegas) com um médico em um hospital por sua postura absolutamente negligente para com meu pai e tempos depois, com outro em outro hospital pela sua maneira ríspida, inumana e mercenária. Na maioria das vezes em que ele foi internado notei a pouca atenção e despreparo humano no atendimento. Porém o Hospital Santa Isabel mostrou-se radical e agradavelmente diferente. Vi todos os funcionários, desde médicos até os auxiliares da limpeza, passando pelo pessoal de enfermagem e burocrático, quando solicitado a prestar uma informação responder com presteza, e mesmo alegria. Alguns deixavam momentaneamente suas tarefas para deslocar-se indicando um caminho ou um lugar. O pessoal de enfermagem portou-se discreta e cuidadosamente. Os médicos foram respeitosos, passavam confiança e mostraram-se cuidadosos. Com o risco de ser injusto com os demais, mas mesmo assim, cito o Dr. Barral na UTI cirúrgica, por sua postura muito humana e pela sua disposição de explicar sua conduta em detalhes, apesar do avançado da hora e do fato de que já não era o horário definido para isso. Quero agradecer às diversas pessoas que compõem a equipe deste hospital pelo seu comportamento e quero ademais incentivar a que se mantenham desta maneira, pois honram suas profissões e representam belo exemplo para os demais.
Enquanto o ano fechava suas portas, no dia 31 de dezembro, um número razoável de pessoas (aquelas que pudemos contatar, já que os problemas de telefonia nesta passagem do ano em Salvador impediram muitos contatos) muitas desconhecidas entre si, porém ligadas pelo amor a Aureão (assim os próximos o chamavam), despediam-se dele, com lágrimas, palavras de saudade e louvação das suas enormes qualidades, silêncios significativos e risos aflorados por lembranças prazenteiras. Tantas vezes lamentei que a morte dos idosos aqui do Vale do Capão implica em perda de um cabedal de conhecimento (no sentido bíblico – de quem viveu aquilo que sabe) e agora, junto com meus parentes, queremos que o que ele foi e representou mantenha-se aceso entre nós. Já começamos a contar-nos a nós aquelas passagens que em algum momento configurarão as lendas da família e que em algum momento lá na frente contribuirão para a formação de outras gerações. Minha mãe, com seus noventa anos, beijou-lhe a testa e ao afastar-se, em um momento de ternura suprema, voltou-se, olhou-o e acenou um leve adeus...
Em 6/1/11, recebam meu abraço saudoso. Aureo Augusto.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

RÉVEILLON NO VALE DO CAPÃO

Acontecimentos muito dolorosos (dos quais tratarei mais tarde nesta blog) fizeram com que este texto só agora possa ser colocado, conquanto o tenha escrito há algum tempo.
Neste período sempre sou levado a pensar no passado. Aqui no Vale do Capão antigamente, ou seja, quando cheguei aqui, não havia um festejo de natal e tampouco Réveillon. Tínhamos o reizado que celebrava de alguma maneira o início de um novo ano, mas há quase trinta anos este mundo era bastante isolado do universo lá fora. Então começaram a chegar as pessoas “de fora” para morar aqui e o povo nativo adotou-lhe muitos dos costumes uma vez que perceberam que isso contribuía para melhorar a sua vida. Sempre me impressionou a forma como a população do Capão absorveu rapidamente os costumes externos. Naquela época, para segurar meus cabelos compridos, usava tiaras. Logo as pessoas me pediam que lhes fabricasse tiaras e era interessante ver o pessoal com a enxada nas costas ostentando tiaras coloridas. Depois surgiram dois amigos que cortavam cabelos desenhando nas cabeças e a juventude do vale desfilava com as cabeças decoradas. Além dessas manifestações mais superficiais, a população adotou vigorosamente o pensamento ecológico, a criação de abelhas, o cuidado com a limpeza dos espaços públicos (Beli casou uma de suas filhas recentemente e a festa foi na rua; ela cuidou de ter tonéis para o lixo plástico), o interesse pela educação, o calor com que participam (ou mandam seus filhos participarem) das aulas de dança, capoeira, coral etc. bem como o investimento em novas formas de obtenção de recursos – a população viu as pousadas construídas pelos imigrantes e logo construiu suas próprias, algumas lindas, ou criou mercados e supermercado entre outras modalidades econômicas. Como no planeta Terra tudo tem dois lados e um deles é negativo, diversos jovens se aventuraram pelo tortuoso e perigoso caminho das drogas. Mas disso já tratei na postagem anterior.
Hoje, após um Natal repleto de presentes, onde o nosso Papai Noel Negro (Delson – excelente pedreiro e um sujeito bem especial) distribuiu presentes para as crianças, o povo se prepara a festa da passagem do ano. As pousadas estão lotadas, arrumadas e lindas, a postos para receber o povo que quer visitar o vale nesta mais uma passagem do tempo. Interessante é que, por ser circular, o giro da Terra começa em qualquer ponto que indiquemos. Em realidade não há um momento específico em que o planeta comece seu périplo. Mas, nós humanos, gostamos de rituais. Gostamos também de começos e re-começos. Por isso marcamos o 31 de dezembro/1º de janeiro. Por isso nos sentamos para orar, meditar, cantar, espocar espumantes, silenciar (cada um conforme seu jeito) esta data. Dessa maneira o inexistente passa a ter significado. O povo do vale vibra porque estamos diante de uma nova oportunidade de mudar, realizar os sonhos, de sermos melhores. Eu também, mesmo que depois de receber com Cybele as pessoas que amo em um jantarzinho agradável em torno das 20h, me recolho para dormir e em geral na meia-noite estou ferrado no mais agradável do sono.
Portanto, uma vez que estamos em vias de aportarmos em um novo momento com novas oportunidades, quero desejar a vocês que me acompanharam em 2010 muita felicidade, novas descobertas reveladoras de caminhos iluminados.
Recebam meu abraço carinhoso, Aureo Augusto.