sexta-feira, 29 de outubro de 2010

RELÂMPAGOS E TROVÕES

Foi um belíssimo espetáculo a noite passada e não posso deixar de partilhar com vocês. As nuvens se reuniram encorpadas durante a tarde e logo que a tarde esmoreceu quando o sol se foi começou uma chuva com as gotas esparsas. Muito ao longe já no meio do dia dava para escutar trovões. Aos poucos se achegaram ao Vale e quando já estava escuro o mundo estremeceu. Foi uma daquelas tempestades pra não esquecer!

Pus uma roupa abrigada e me sentei na varanda. Os ventos irregulares lançavam em minha cara gotas grossas da chuva enquanto lá no zênite relâmpagos chispavam. Fiquei olhando cada detalhe. Houve tempo para tanto. A luz fugaz dos raios revelava as árvores curvadas ao peso da chuva, os ciprestes do jardim me traziam Van Gogh à lembrança. Em segundos o negror quase absoluto (quebrado pela luz de um poste que se mostrava entre as folhagens densas) abandonava os olhos e os clarões revelavam as serras. O Morro Branco, bem defronte de minha casa, como a tela de um cinema, plano e claro refletindo a luz azulada, rápido movimento da luz, bafejos de vagalumes gigantes. E a cada explosão da claridade cedo ou um pouco depois o ruído do trovão igualzinho (só que mais alto) aos filmes de guerra.

Ali fiquei uma boa parte da noite até que o sono desceu as pálpebras ao vencer a consciência desperta e o ruído que abalava a terra.

Hoje saí, como de costume, a caminhar e tomar banho no rio. Tudo muito mais bonito. As folhas lavadinhas, escovadas e brilhantes, o rio cheio rugindo, os pássaros mais alucinados do que nas manhãs de costume.

Agora partilho com vocês o regalo que o presente me trouxe. Recebam meu carinho.

Aureo Augusto

terça-feira, 26 de outubro de 2010

III ENCONTRO DE PROFISSIONAIS DE ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

Embora viva no Vale do Capão, um lugar para saborear com os olhos e o corpo, às vezes fico um pouco sobrecarregado de trabalho. Sou o médico da USF (unidade de saúde da família) e, portanto, trabalho durante o dia no posto. Mas este tipo de serviço de saúde pede ações como educação para a saúde e outras que às vezes nos toma o tempo em outros momentos. Ademais, como o Vale fica a pouco mais de 20km da sede do município, mesmo fora do horário o pessoal que trabalha no posto pode ser chamado a ajudar a população quando de seus problemas de saúde. Às vezes podemos passar vários dias e até semanas sem ter nenhuma urgência fora do horário de trabalho, mas noutros momentos há um acúmulo de ocorrências e por isso o tempo encolhe. Nos dias 21, 22 e 23/10 fizemos o III Encontro de Profissionais de Saúde da Família do Vale do Capão. Esta atividade foi proposta desde o princípio pela equipe do posto, e a DIRES 27 (Diretoria Regional de Saúde), cuja diretora é Larissa Paiva, sempre deu apoio total ao evento. Também temos tido o apoio inestimável da EFTS (Escola Federal de Técnicos em Saúde) e da SESAB (Secretaria Estadual de Saúde). Para nós é uma tarefa hercúlea realizar este encontro mesmo com a ajuda dos parceiros. É que organizar um evento traz uma razoável quantidade de ações, as quais se acrescentam à enorme gama de atividades que já temos no dia-a-dia. A equipe se desdobra. Por coincidência logo que começou o evento, duas mulheres abortaram espontâneamente, outra pensou que ia parir e não pariu, ocorreram crises hipertensivas, acidentes de bicicletas e motos com costuras e curativos e uma criança rasgou a cabeça em suas traquinagens e por isso foram necessários alguns pontos. Vai daí que não pude, como no ano passado, “falar” pra vocês sobre o encontro. Agora o faço, porque o carro que vem me buscar para o atendimento nos povoados da Conceição dos Gatos e Rio Grande está atrasado (coisa, aliás, que me desespera porque não gosto de saber que estão me esperando – ainda mais na Conceição, onde as pessoas são, em sua maioria, idosas).
O III Encontro honrou o brilho dos anteriores. Foi bem legal. A equipe aprendeu muito – na verdade um dos motivos pelos quais fazemos esta atividade é chamar pessoas que possam nos ensinar. O pessoal da EFTS, do DAB, os demais palestrantes nos mostram o que acontece, como fazer para melhorar e as dicas se somam à simpatia deles, de modo que fica tudo muito prazeroso. Desta feita a sempre brilhante e apaixonada Mary Galvão nos trouxe um estudo da situação do atendimento à mulher grávida e ao parto na Chapada Diamantina, iluminando-nos os caminhos. Elânea do núcleo Itaberaba da EFTS acrescentou mais material do tema, ao falar sobre o nosso papel na realidade da mortalidade materno-infantil. Depois o Dr. Ari Avelar, meu colega de turma na faculdade (quando era conhecido por Dr. Gal, por causa do seu cabelo Black Power) alertou-nos para a necessidade da busca ativa de pessoas com tuberculose. Sua palestra causou forte interesse em nossa equipe. Tuberculose é um sério problema de saúde pública no Brasil, sabemos disso, mas sua fala nos trouxe para uma realidade mais séria do que imaginávamos. Sílvia Laranjeira do DAB tem estado conosco desde o primeiro encontro, trazendo sua fala, sua dedicação e esforço e desta vez estava novamente aqui (agora acompanhada da competente simpatia de Vanessa Lima), na fala – essencial – sobre política de atenção básica, prestando esclarecimentos e fazendo comentários pertinentes. O pessoal da cidade de Iraquara fez uma apresentação para nós, reproduzindo o trabalho que têm feito para esclarecer a juventude sobre doenças sexualmente transmissíveis. Deram boas dicas de como lidar com os nossos jovens, que aproveitaremos. Foram muitas coisas e muitas pessoas, isso sem contar as pessoas que estavam escutando os palestrantes, trazendo perguntas que levavam a considerações mais percucientes. Foi enfim muito bom e sei que cometerei injustiça, deixando de falar de algumas pessoas cuja participação fez com que a coisa fosse tão boa.
Desta vez incluímos, no sábado, um passeio à Cachoeira do Riachinho (na verdade eu preferia ir à Cachoeira da Angélica e depois à Cachoeira da Purificação, mas parte da turma, os farristas que ficam até tarde no converseiro, preferiu um lugar mais fácil de ir), onde tomamos um gostoso banho e contemplamos, porque é um lugar onde, mesmo com muita gente, somos convidados ao silêncio ou a conversas tranquilas.
O carro está chegando para me levar aos atendimentos. Vou fechar esta escrita. Já estamos nos reunindo para ver como será o IV Encontro. A roda da vida não para e é por isso que é bom viver!
Abraço carinhoso para todos de Aureo Augusto.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

DUAS SURPRESAS

Duas coisas me tocaram esta semana:
A primeira: Tenho um sobrinho que é um gênio desta onda de computador, comunicação, internet, rádio, televisão e coisas assim tecnológicas. Seu nome é Thiago e ele é quem fez o blog. Ele sempre me está trazendo informações interessantes e aconselhando-me quanto a coisas que eu posso fazer – e que acabo não fazendo porque como ele é tecnológico fala rápido e deduz que eu entendo os princípios da onda, quando eu estou bem longe disso. Esse pessoal que entende de tecnologia tem uma frase de duas palavras: “é fácil”. E toca a dizer as etapas a serem seguidas. Mas na hora exata os bocós como eu se lascam. Mas recentemente Thiago me explicou que posso entrar em um lugar lá e ter informações sobre o blog. Fiquei absolutamente pasmo. Descobri que tem gente freqüentando o blog com regularidade, por ordem de freqüência dos seguintes países: Brasil, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Inglaterra. Além destes maiores freqüentadores, encontro: Panamá, Kuwait, Rússia, Costa do Marfim, Chile, Ucrânia, Itália e França. E o interessante é que estes países não visitaram um vez e pronto. Todos visitam com alguma freqüência. Ontem, dia 18/10, foram 216 visitantes, um número que me impressionou. Fico imaginando que antigamente para que um texto alcançasse as pessoas tinha que passar por uma gráfica, com um custo significativo. Hoje, sem ônus, um brasileiro pode ser lido em lugares que ele jamais alcançaria, ou, pelo menos, muito dificilmente alcançaria sem a internet. Descobri também que tenho 64 pessoas seguindo o blog. Fico olhando as fotos dessas pessoas, algumas são conhecidas, outras não tenho idéia. Incrível. O problema é que ainda não sei mandar um e-mail para cada uma delas dizendo o quanto é interessante saber que elas estão ligadas. Esse negócio de blog é impressionante.
Outra coisa que me tocou: Hoje, após semanas sem chuva, exatamente às 17h fomos abençoados com o ruído da água no telhado e aquele cheiro adorável de terra molhada. Desde então a chuva cai gostosamente, os trovões ribombam e os raios rabiscam o céu. Cheguei em casa depois do trabalho e saí a caminhar sentindo as gotas frias lavando-me a alma. A água deu as caras e a vegetação despe-se da poeira, brilha.
Agora vou ter que apagar tudo porque os relâmpagos estão jogando duro, falta luz toda hora e o protetor de corrente está gritando loucamente.
Um abraço molhado de Aureo Augusto.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ELEIÇÕES 2010 LÁ FORA

Acompanhei uma parte do processo eleitoral lá em Portugal e isso foi uma boa experiência porque pude ver com um certo distanciamento as coisas do Brasil, além, é claro, de ver de perto a maneira como eles nos vêem.
A candidatura de um palhaço e algumas das propagandas eleitorais veiculadas por lá causaram reações bem negativas. Os portugueses com os quais tive a oportunidade de conversar sobre isso ficaram chocados com algumas manifestações que mais eram deboche do que política. Para eles, bem mais conservadores (ou mais sérios) do que nós, determinadas coisas não combinam com política. Mas as candidaturas aos governos estaduais e às legislaturas estaduais ou federais eram coisas de menor importância para a população e para os analistas na mídia em Portugal. O grande interesse correu por conta da disputa pela presidência. E, naturalmente, Dilma e, em menor escala, Serra, foram os nomes mais comentados. Tanto na mídia como nas conversas o nome de Marina foi pouco mencionado. Quando isso acontecia era sempre em termos elogiosos, porém considerava-se que sua candidatura resultaria em pouco peso na disputa. A surpresa que ocorreu aqui, saibam, foi menor do a que aconteceu por lá. Ninguém esperava que Marina alcançasse praticamente 20% dos votos. A mídia e a população tinham toda a certeza de que a candidata da situação ia levar de roldão os adversários conquistando a presidência no primeiro turno, sem contemplação. Para a população portuguesa Lula é um mito. A maior parte das pessoas que encontrei elogiou sua forma de governar e grande número de pessoas (assim me pareceu) tem uma visão bem histórica do processo atual tão positivo (e mesmo invejável) da nossa economia. Reconhecem que esta pujança econômica não é tão estável como poderia parecer aos incautos, mas encontram que a partir do estabelecimento do plano real, ainda no governo Itamar Franco, sob a batuta de FHC, o Brasil encetou um caminho de qualidade que até aquele momento desconhecia. Vêem, e nisso concordo com eles, que Lula teve bom senso em não dar ouvidos à extrema esquerda, mantendo uma orientação econômica herdada do governo anterior, porém (para os analistas portugueses) com uma conduta que sugere maior participação popular. Um articulista (que lamentavelmente olvidei o nome) de um jornal da cidade do Porto considerou que este foi o maior mérito de Lula, e que este teve grande competência em assumir como seus programas de governos anteriores, o que, a meu ver, corresponde à verdade. Independentemente destes comentários, destas considerações e constatações, a mídia portuguesa me pareceu considerar Lula como um político capaz, carismático, competente até, na condução de nossa nação e acrescentam invariavelmente que Dilma é uma criação (assim se referem) dele. Havia um consenso tanto na mídia quanto entre as pessoas que a candidata situacionista seria eleita no primeiro turno, por obra e graça do todo poderoso Lula. Confesso que incomodou-me um pouco a forma com que os experts referiam-se a Dilma. Era comum tratá-la como se fosse uma marionete, e nós aqui no Brasil sabemos que não é bem assim. Dilma tem uma história e concordando ou não com suas maneiras (eu, particularmente, não sinto nenhum agrado pelo seu novo sorriso eleitoral), suas idéias, e, mesmo com a referida história, devemos reconhecer que ela existe por direito próprio. E isso não significa desconhecer que os votos destinados a ela apontam para Lula, que é realmente carismático, sabe conversar com a população e consegue como ninguém usar o PT para seus fins e desviar-se de todos os atos bizarros tanto do PT quanto de seus assessores.
Quanto a Serra, recebeu numerosos elogios, porém havia um consenso de que não tinha chances de ganhar. Receberia muitos votos, mostrando a força (declinante) do PSDB, mas estes votos seriam em menor quantidade do que mostravam as pesquisas. Uma observação freqüente era que os programas e a ideologia dos dois candidatos eram tão próximos que podiam sobrepor-se em quase tudo. Aliás, nisso eu também concordo e acrescento que gostaria de ver PT e PSDB como aliados. Mas voltando ao povo lá de fora, e resumindo, eles não viam a possibilidade de segundo turno.
Uma atuação que foi bastante criticada em Portugal, tanto na televisão como nos jornais, foi a da mídia brasileira. Alguns articulistas criticaram duramente revistas brasileiras que agridem Lula pelos seus erros de português ou que lançam mão de meios bisonhos de tentar abalar o gosto do brasileiro pelo seu presidente. Foi citado o caso de uma reportagem sobre a morte de um cangaceiro de Lampião que seria tio ou tio avô de Lula (não me lembro o parentesco). Quando li a reportagem estava na cidade de Ovar, no norte de Portugal. Ri um pouco desta insana tentativa de abalar Lula e, consequentemente, Dilma. Pareceu-me uma conduta mais estúpida do que qualquer estupidez que o presidente tenha cometido contra a língua. Ora, a população está pouco se lixando para a linguagem pulcra e cada vez que as críticas se firmam na incompetência gramatical do sujeito, isso desperta muito mais simpatia do que condenação. Um ou outro se preocupa com a língua; a maioria quer saber como está o bolso. Ademais, que importa isso. Cuidemos da democracia, se ela está sendo atingida; atentemos para as orientações econômicas, se elas levam a bom termo; vigiemos a educação, se ela é conduzida por caminhos nos quais os estudantes possam alcançar a escrita e a leitura proficientes e colabore para que eles sejam sujeitos pensantes e não massa de manobra para aventureiros populistas... Temos coisas sérias a tratar! As denúncias de corrupção são essenciais para o processo democrático, mas por que elas não mobilizam a população de forma mais contundente? Não há dúvida que a presença de Lula joga um importante papel, mas também a estabilidade econômica, o poder de compra, a inflação controlada. Ou seja, assim como há males que vêm pra bem, há bens que vêm pra males. Sofremos tanto com uma economia pessimamente administrada que aceitamos quase tudo desde que as coisas estejam nos seus lugares. Voltando à mídia brasileira, lá em Portugal ela não é vista como tão séria como gostaria. Foi o que me pareceu.
A grande surpresa foi o dia seguinte. Marina cresceu e todos correram a explicar o acontecido. Como, onde, porque... Falou-se muito na opinião dos candidatos quanto ao aborto como fator de elevação de Marina e diminuição de Dilma. Mas também considerou-se a história de Marina, sua reputação, inteireza e postura na campanha. Ninguém conseguiu explicar a complexidade do caso, mas até hoje se discute. Os articulistas por lá consideram que com, ou sem, o apoio de Marina, Dilma leva o segundo turno. De minha parte, penso que foi bom um segundo turno, por que para a democracia não convém excesso de poder em um homem, mulher, ou partido.
Recebam o meu carinho, Aureo Augusto.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

CHEGADA!

CHEGADA
Já estamos no dia 12 de outubro. Estou em casa, no Vale do Capão, mas demorei a postar porque o computador deu bode e teve que ir para a oficina. Vivi algumas aventuras desde que cheguei, inclusive acompanhar meu pai ao hospital, onde foi internado, mas sentir o ar frio do Capão me confirma que da viagem e por melhor que seja a viagem, o melhor é a chegada. Vejamos o texto:
Viajar 6 horas em um avião não é graça. E as cadeiras da classe econômica são tão apertadas que mesmo alguém como eu, que não sou alto, é um sacrifício. É difícil se mover e as pernas começam a queixar-se da posição. Houve também outro fator que tornou a viagem mais difícil e que em alguma medida foi um acontecimento tragicômico. De quando em vez alguém expelia gases sumamente fedorentos. Todos ao redor mostravam-se constrangidos com o odor espantoso, exceto o casal à frente e uma família na frente à direita. Durante toda a viagem foi um clima de Primeira Guerra Mundial com gases tóxicos e trincheiras apertadas. Apesar de sua potência a origem dos petardos só foi descoberta quase no fim da viagem, porque uma criança inocentemente denunciou o pai (sentado à frente/direita) em alto e bom som, dizendo-lhe que ele estava podre. O constrangimento foi enorme e de tal monta que ninguém ousou criticar o pobre homem que não sabia onde por a cara enquanto timidamente dizia a criança para calar-se. Fora isso a viagem foi tranquila porque o avião nem tremia, com o clima perfeito, sem ventos, vácuos e outros sustos.
Havia um rapaz sentado um pouco atrás que estava nervoso. Não se levantou toda a viagem e em um momento em que lhe dirigi a palavra, tomou um susto. Quando chegou a hora de desembarcar ele ia pelos cantos, evitando o meio do corredor. Tinha, notei, um leve defeito em uma das pernas, que era mais curta, fato denunciado pelo caminhar. Na hora de passar pela aduana estava logo atrás dele e vi que ficou muito tenso. O funcionário recebeu seu passaporte e seu olhar mostrou desde logo que encontrou algo errado, muito errado. Saiu e consultou um companheiro. Depois telefonou e solicitou ao rapaz que aguardasse sentado em uma cadeira próxima. Então chegou a minha vez e assim passei adiante e não pude ver o desfecho da história.
Aliás, o aeroporto é lugar de histórias sem princípios e sem fins. As coisas ali só têm presente. Como foi o caso de outro acontecimento, ainda no aeroporto de Lisboa, na fila de embarque. Havia uma mulher de tez negra muito nervosa revirando a bolsa procurando algo. Um homem de pele clara, aparentemente seu marido, andava nervoso de um lado para outro enquanto ela perguntava repetidas vezes: “Onde eu deixei? Onde eu deixei?” Foi quando surgiu um garçom correndo e lhe entregou algumas passagens. Ela, ao receber os papéis, desabou num choro intenso, enquanto o homem procurava tranquiliza-la. Esqueci o caso, até que, uma vez embarcado, notei seu companheiro poucos passos atrás do lugar onde eu estava conversando com um casal. A conversa durou muito tempo, mas a moça do choro não estava presente. Então, em uma das minhas caminhadas pelo avião (para esticar as pernas e ativar a circulação) resolvi procurar aquela mulher. Mas não encontrei. Parece que não embarcou. Perguntei-me se seria mesmo a esposa dele, ou se embarcara em outro vôo. Nunca saberei.
Porém se pensamos bem, todas as histórias são assim. O princípio mesmo, nunca saberemos; tampouco o final. Podemos captar o princípio provisório: Pedrinho caiu da árvore, em um dia de chuva escorregou no galho limoso. Na sequência quebrou o braço; teve que ir ao hospital e finalmente ostentava orgulhoso entre os colegas da escola o branco do gesso a ser preenchido pelas assinaturas dos companheiros. Princípio, meio e fim. Porém Pedrinho era antes disso, havia um princípio anterior e é e será, ou seja, terá uma história depois deste acontecimento; a anterioridade no tempo pode ser alcançada em um óvulo unindo-se a um espermatozóide, mas antes disso haviam moléculas e átomos ou, almas que queriam frequentar a Terra; da mesma forma, seu futuro sempre se dilatará no tempo. A diferença para o aeroporto é que aqui o mais das vezes, não temos nem idéia do que ocorreu pouco antes ou acontecerá daqui a pouco.
Voltei!
Recebam um abraço carinhoso de Aureo Augusto, recém chegado.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

FÁTIMA

Hoje fui em Fátima. Confesso que estava com algum preconceito e não estava muito a fim de ir lá. Imaginava (e um amigo tinha dito que era assim mesmo) aquela loucura de gente vendendo imagens, fitas, um carnaval comercial religioso.
Peguei um autobus (ônibus), que me deixou a cinco minutos do santuário. Caminhei até lá sob um vento bastante frio. O caminho era uma rua agradável, simpática, com lojas e restaurantes. Alcancei o lugar e fui recebido por uma série de pequenas lojas circundando um espaço quadrado onde se vendiam lembranças em profusão. Porém não senti uma ostensividade comercial que esperava. Passei pelo lado deste lugar e entrei no santuário que é algo impressionante pelas suas dimensões. Há uma grande área asfaltada cortada por um caminho de pedra polida branca. Ao fundo uma igreja portentosa, porém não muito grande (para os padrões de Portugal) ladeada por corredores cobertos com colunata sustentando arcos redondos, formando um gigantesco ‘U’. O efeito sumamente agradável e, apesar da grande proporção, passando a impressão de simplicidade e, até, leveza. À esquerda, e em certa medida interferindo com a concepção geral do espaço, uma estrutura moderna cobrindo uma pequena capela. As pessoas que andavam dispersas por todo o ‘U’ concentravam-se aqui. Fui para lá e, sentado em um banco de madeira, assisti às pessoas e aos padres enquanto celebravam uma missa. Lá fora algumas pessoas penosamente avançavam pelo caminho no meio da praça, de joelhos, pagando promessas, ou se penitenciando. Aqui dentro (o espaço é quadrado com 3 dos lados de vidro e o quarto aberto em toda a sua extensão), senti uma forte sensação que não consigo definir exatamente, e que me levou a encher os olhos de lágrimas todo o tempo em que ali permaneci. Quando começou a comunhão, retirei-me e fui caminhar pela igreja, pela colunata. O ambiente era tão agradável (energeticamente também) que parecia estar em um lugar de sonhos. Tudo convidava ao silêncio e à reflexão, apesar dos grupos que se revezavam indo e vindo (hindus, japoneses, indonésios, chineses, germanos, americanos, portugueses, espanhóis, brasileiros...). Todos os espaços eram completamente permeáveis à presença, nada de taxas (ao contrário de várias igrejas que visitei aqui) ou proibições. Não havia nada que sugerisse uma intenção de explorar a fé dos visitantes. Claro que na cidade as lojas vendem de tudo relacionado com a religião e ao fenômeno que deu origem ao santuário, mas ali dentro, um mundo à parte. Apenas para a fé...
Saí para comer (e me surpreendi com o preço dos restaurantes, muito mais baratos que em outros lugares) e depois retornei. Sentei-me em um muro baixo diante da esplanada e fiquei olhando. Tocado com o esforço das pessoas que se arrastavam em penitência meus olhos marejaram, mas havia algo muito mais evidente e muito mais forte que o questionável sacrifício dos fiéis. Percebi que ali estava a Mãe. Dito melhor: Que a Mãe está conosco todo o tempo, mas naquele lugar, por motivos que ignoro (mas sinto), há uma possibilidade mais clara de percebermos que Ela está conosco todo o tempo.
Recebam um abraço bem dentro do coração, que não tem a ver com esta ou aquela religião e sim com esse Mistério que nos faz algo mais do que apenas um amontoado de células.
Aureo Augusto.

domingo, 3 de outubro de 2010

CHUVA AQUI E MORTE NO VALE DO CAPÃO

Hoje amanheceu chovendo aqui em Lisboa e é a primeira vez desde que aqui cheguei. Parece que o outono resolveu, finalmente, dar as caras. Também está ventando muito. As bandeiras que festejam o centenário da república são vigorosamente açoitadas pelo vento que uiva alto na janela.
Ontem recebi a notícia da morte de D. Licinha, velha amiga e vizinha lá do Vale. Fiquei triste, por ela, pessoa que me gratificava o coração e também pelo que isso representa em termos de um passado que se vai e do número de histórias que se perdem. D. Licinha desempenhou um importante papel no lugar e não apenas por ter se casado com Seu Piroca, que durante largo tempo foi o “médico” do Capão. Ele tinha remédio pra tudo. Dizem que estudou medicina no sul do país, mas não completou o curso e voltando para estas terras começou a ajudar à população com seus conhecimentos, sem receber nada por isso. D. Licinha era sua esposa e dele enviuvou. Era uma mulher bastante viva e assim permaneceu mesmo depois que uma paralisia a obrigou a ficar em casa e na cama a maior parte do tempo.
Fico pensando na dor de alguns dos parentes. Digo alguns, porque sei que esse negócio de parentesco nem sempre é tão fluido como os costumes parecem indicar. A filha que mais cuidava dela, Luci, também conhecida como Bula, esta deve ter sofrido muito. Muito mesmo. Andréia sentirá saudade da avó. D. Argentina (não confundir com outra Argentina, que é viúva do Velho Anísio), também sofre, mas ela é que nem um anjinho, não sei se sente a dor do mesmo jeito como nós outros sentimos doer.
Embora nessa lonjura e com todo o Atlântico me separando dele, não esqueço do Vale do Capão que todo o tempo me toca. Quando escuto Sérgio Niza ou Assunção, que são educadores de competência e amor, falando dá-me a vontade que lá apareçam para conversar com os professores do Vale e da Chapada; quando vou a um museu penso no quanto seria maravilhoso se os estudantes das escolas pudessem estar comigo e por aí vai. Mas, com a notícia do falecimento de D. Licinha, o Vale tivesse entrado com mais força no quarto do hotel. Aqui está ele, tomando cada canto e fresta. Até o vento cortando o silêncio me traz os ruídos habituados aos meus ouvidos.
Como dizem as pessoas lá no Vale: “Que Deus a tenha”, D. Licinha.
Recebam um beijo, cada um de vocês que me lêem.
Aureo Augusto.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

CRISE ECONÔMICA

No Porto não demorei quase nada, confesso. Fui de trem – eles chamam comboio e um professor da Universidade me disse que trem é um termo antigo aqui em Portugal que já caiu em desuso – ou seja, nós, brasileiros, falamos um português antiquado, coisa que acredito. É um trem bem diferente da Maria-fumaça que tomei quando ainda era jovem. A última vez que peguei um trem foi no meu último plantão em Alagoinhas, ainda estava no 5o ano de Medicina. Como era o último dia, quis fazer algo diferente e voltei para Salvador de trem, saltando na estação da Calçada (tão linda). Bom, isso foi há muito tempo! O trem daqui parece um metrô. É rápido, silencioso e não solta fumaça. Em um instante estava passando sobre o rio divisando a impressionante cidade do outro lado do rio. Ouvi dizer que a cidade era cinza e, é. Estranho dizer isso, mas é. Apesar das cores aqui e acolá, é cinza. Não vou dizer mais porque demorei pouco, uma manhã e isso é pouco.
Na verdade estive no Porto antes de visitar Óbidos. Aliás, esta cidade me faz alertar vocês. Tomem cuidado com as fotos dos hotéis na internet. O que fiquei em Óbidos, pelas fotos era amplo e espaçoso, mas na hora a cama era bem apertada o quarto pequeno e o preço jamais correspondeu ao pagamento. A cidade, como disse antes, é muito impressionante e bela, porém o melhor não é dormir lá, como fiz. É caro e em uma tarde dá pra ver tudo. Agora estou de volta a Lisboa. As pessoas aqui não estão contentes. O governo anunciou um pacote econômico de lascar. Quem ganha acima de 1500 euros terá redução do salário que varia de 3% a 10% conforme o que recebe. Fiquei horrorizado. Perda salarial é porradão. Claro que os sindicatos estão se mexendo. O que me faz pensar é que os importantes fizeram besteira (e fizeram, ademais aqui também tem corrupção) e os funcionários públicos pagam a conta. Esse negócio de reduzir salário é muito estranho.
Comecei a ler o livro Portugal Hoje, O medo de Existir, do filósofo José Gil. Foi-me explicado que lendo-o entenderei melhor a tristeza do português. Estou gostando muito da leitura, o cara é fera. Pergunto como será para esta gente se os jornais já anunciam que o próximo ano será terrível.
Recebam um abraço crítico de Aureo Augusto