quarta-feira, 29 de setembro de 2010

DESAFIOS AO DESCOMER, ÓBIDOS E CASCA DE OVO

Nos últimos dias tem sido um pouco difícil contatar à internet, ou mesmo escrever, porque fico na estrada ou nas ruas e à noite o cansaço não me deixa escrever. O ato da conexão é muito fácil porque compramos um pen drive de uma empresa local que faz facilmente a ligação on line como um telefone pré-pago, por um preço semelhante àqueles praticados no Brasil. Nos hotéis, os valores cobrados para fazer a ligação são altos. Saímos de Évora até Aveiro de carro. As estradas aqui em Portugal são interessantes. Os nomes não os consigo entender bem, mas é algo mais ou menos assim. Tem uma estrada incrível, um tapete, sem sombra de buraco, vazias, onde podemos viajar a grande velocidade, com pedágio caro; para nós brasileiros, bastante caro. Paralela a esta estrada tem uma outra, que chamam de principal ou nacional, que se assemelha às estradas do nordeste do Brasil, porém sem buracos. Nem sempre, ou melhor, a maior parte das vezes, sem acostamento, muito movimentadas e, que não permitem, por causa do movimento, desenvolver maiores velocidades. Além destas tem as estradas asfaltadas secundárias que são lenhadinhas, mas não terríveis (pelo menos as que experimentei) e ainda tem as bagaceiras do interiorzão, que não conheci, fui informado. Observe-se que as estradas com pedágio seguem o mesmíssimo roteiro das nacionais ou principais; gastaram dois dinheiros para a mesma coisa! Cada país tem o seu jeito de ser.
Cada país com o seu jeito. Fomos ao cinema, pra ver como era. Um filme português, filmado nos EUA, em inglês. Gostei, embora o título não tinha nada a ver com a história e, no final, o diretor ou o autor tenha caído naquela tentação tão comum de matar o herói no final para dar um toque mais intelectual, já que intelectual que se preza não pode ser feliz, porque felicidade é, para os entendidos – não em felicidade, claro – coisa superficial e piegas. Em dado momento do filme, as luzes se apagaram e pensei que tinha faltado luz (mas ninguém gritou, como quando eu era pequeno, faltava luz, e o bairro inteiro gritava, repetindo o grito quando a luz voltava). Segundos depois apareceu na tela um aviso: “Intervalo, sete minutos”. Caí na gargalhada! Claro que cada um com o seu jeito, mas achei engraçado. Pensei também como seria o banheiro feminino em dia de casa lotada. Em sete minutos a mulherada não ia conseguir satisfazer suas necessidades essenciais.
Aliás, tive nova experiência de banheiro. Estava em um restaurante na cidadezinha de Veiras. Após almoçar fui ao banheiro, não para a parte do desaguar e sim para a área de descomer. Notei que não tinha chave e fui solicitar, mas me disseram que era assim mesmo. Então me sentei na latrina com o receio de que alguém de repente entrasse e desse de cara comigo. Uma sensação estranha, pelo menos para mim, brasileiro. Ademais, ali tinha um daqueles sistemas para não gastar muita eletricidade. Um detector de movimento mantinha a luz acesa, quando cessava o movimento a luz se apagava segundos depois. Normalmente quem está descomendo está quietinho. Daí logo a luz apagava e por isso eu era obrigado a periodicamente balançar os braços no alto da cabeça. O que me levou a imaginar o que pensaria alguém que entrasse e me visse sentado, mas balançando os braços. Talvez fantasiasse que a dificuldade de eliminar fosse grande. Não sei. Seja como for não foi muito confortável. Nós, os turistas, passamos por tais dissabores.
Nestes dias conheci, Aveiro, Vieras, Ovar, Estarreja, Torreiras. Todas em uma mesma região onde se combinam um pântano (chamado de Ria) e o mar. Área lindíssima. A, digamos, capital da região é Aveiro, cognominada a Veneza de Portugal, como dizemos que Recife é a Veneza brasileira. Porém se Recife for tão Veneza como é Aveiro, não tem nada daquela cidade italiana. Aveiro tem um canal no meio da cidade (que por sinal e muito bonita) e pronto. Nem é muito grande ou largo. Os barcos daqui são bem bonitos, com popa e proa elevados ostentando pinturas. A cidade é agradável, bonita, mas não é Veneza (e não precisa desta apodo).
Agora estou em Óbidos, que é um espetáculo, com seu castelo do século XII (sobre fundações mouras mais antigas) e cercada por muralhas medievais feitas dois séculos depois da construção do castelo. A cidade parece um presépio. Lindíssima e caríssima. Deus do Céu!!! A turma aqui arranca o couro! Também tive uma sensação de que algo estava estranho. É estranhamente sem vida. Pelas fotos me pareceu que ganha vida quando tem as procissões e eventos religiosos, mas agora, sem o chilrear das crianças, sem camponeses indo para a roça. É uma vila muito pequena, com poucos habitantes intramuros e poucos fora destes. As sensações aqui são divididas entre o encantamento da beleza medieval e o estranhamento da ausência de vida natural, de gente indo e vindo, estudantes, camponeses, vendedores ambulantes, em que pesem as inúmeras lojas vendendo lembranças à multidão de turistas.
A cidade foi decretada patrimônio da humanidade pela UNESCO. Ótimo e merecido. No entanto, pergunto-me, como manter a essência vital de um lugar além de preservar-lhe as características físicas? Há algo de casca de ovo vazio em Óbidos, coisa que não acontece em Évora, por exemplo, com suas ruínas, suas tradições, suas casas antigas preservadas e o povo nas ruas.
Com estes comentários me despeço por hoje.
Recebam todos um beijo saudoso.
Aureo Augusto

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

CANTOS ALANTEJANOS e CAETANO VELOSO

Assunção, a simpática vice-reitora da Universidade de Évora nos levou (Cybele e eu) a participar de um grupo de cantos alentejanos. No Alentejo antigamente quando as pessoas estavam no campo trabalhando, nas tabernas ou nas festas, cantavam músicas folclóricas. Algo semelhante ao que se passa na Bahia, com o samba de roda e outras manifestações musicais. Com o evoluir da sociedade estas músicas correram o risco de se perder e alguns amantes daquele costume se reuniram para preserva-los. Felizmente os jovens estão voltando a se interessar e há uma possibilidade de renascimento deste costume. Chegamos e já tinha começado. Um senhor de bigodes amplos e bela voz puxava os cantos e os demais (incluindo os visitantes se inseriam uma vez que recebiam uma apostila com as letras) acompanhavam. Quando acabava uma música o líder, Sr. Manoel Joaquim, perguntava que música o grupo queria cantar e alguém dizia um número e todos iam àquela música e começava a cantoria. As músicas deliciosas, com letras que variavam da ingenuidade mais pura a uma terna malícia, ou romantismo exaltado. No dia seguinte estávamos em um grupo, almoçando e conversando sobre os cantos. Então falei para o grupo que na Bahia há um cantor, Caetano Veloso, que eu tinha certeza de que ele iria adorar aqueles cantos. Todos me olharam espantados e começaram a rir. Então me explicaram que Caetano Veloso é do mundo e não da Bahia apenas. Para minha surpresa conheciam Caetano a fundo (aliás, ao entrar em uma casa estava tocando justo ele, por coincidência). Não esperava que conhecessem tanto. Ficaram bem felizes quando lhes disse da possibilidade de ele gostar daquelas músicas e considerei que muitas das músicas que ele canta ou cantou são extraídas do folclore e que lhes proporcionava uma roupagem cujos resultados eram maravilhosos. Em segundos a Bahia alcançou esta distante Évora, graças à voz de um de seus filhos.
Espero que os cantos alentejanos se tornem conhecidos, tanto quanto a nossa capoeira. Ocorre-me que alguns deles estão na origem de algumas das nossas músicas, já que sangue português está em nossas brasileiras veias e também penso que conhecer, contatar, com as tradições nos enriquece a alma.
Aliás, Assunção comentou algo que merece contemplação ao dizer que quando viajamos conhecemos melhora ainda o nosso lugar de origem e aí está uma verdade.
Recebam um abraço cantado.
Aureo Augusto

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

ÉVORA!

É marcante a diferença entre os lisboetas e o pessoal daqui desta cidade sensacional. O pessoal aqui é mais relaxado, risonho, mais dado. O turismo é muito forte, mas a atividade artesanal (com cortiça principalmente) é marcante, assim como a agricultura. Caminhar em Évora é andar sobre o passado. Procurava uma construção do século XVII e no caminho encontrei as ruínas de um templo romano supostamente dedicado a Diana. A visão daquelas colunas coríntias fez meu corpo tremer. Lágrimas me saltaram dos olhos. Desde que eu era muito criança já me apaixonara pela antiguidade. Com onze anos tinha 4 cadernos de desenho sobre mitologia grega. Meus colegas de escola me apelidaram “rato grego” pelo meu tamanho e pela minha paixão. Agora estava vendo e tocando em um objeto arquitetônico que me levou diretamente àquela gente (mesmo sendo romano, o modelo era grego da ordem arquitetônica coríntia) que tanto me preenchera a infância e a adolescência. Fiquei um tempo tocando as pedras desgastadas, sentindo umas coisas por dentro.
A cidade está bem conservada e é um amálgama de romanos, mouros e cristãos medievais, renascentistas e modernos, tudo dentro das muralhas construídas pelos primeiros e preservadas e modificadas pelos demais. Antes de todos eles os celtas moraram aqui e antes destes, os povos que construíram os dólmenes e menhires que, como é comum se dizer, se perdem na noite dos tempos.
Não sei o que verei adiante, mas Évora é a cidade. Caso morasse em uma cidade de Portugal, com certeza escolheria Évora.
Estamos na época abominável dos trotes e Évora (como Lisboa) está tomada por bandos de estudantes veteranos manifestando seu sadismo sobre os calouros. Alguns destes até que se divertem, mas a maioria mostra-se constrangida. Não gostei quando fui calouro e reagi e fugi ao trote. Não gosto do que vejo aqui. Os professores também se manifestam contra, mas não adianta. Penso que se poderia organizar alguma brincadeira com os novos estudantes e até pintar as caras, além de manifestações de boas-vindas, porém é evidente que os veteranos, ou melhor, alguns dentre eles que participam nisso, não demonstram contemplação.
Mas apesar disso, a cidade nos olha de suas pedras.
Para minha surpresa o hotel onde estou tem toda uma sessão do restaurante dedicada ao vegetarianismo. Uau! Estou passando bem. Pão integral, frutas, grande variedade de legumes crus e cozidos etc. Apenas o arroz e a farinha de trigo em algumas receitas são ‘brancas’, porém o restante dá pra encher os olhos e a barriga. E a pizzaria que fomos ontem à noite, Cybele, eu e a vice-reitora da universidade (uma pessoa muito simpática e simples, apesar dos numerosos títulos acadêmicos, coisa que nem sempre encontramos) oferecia pizza vegetariana. Parece que estamos conquistando o mundo!
Évora é a principal cidade de uma região chamada Alentejo (que vem do fato de estar além do rio Tejo – eles gostam da onda; outro lugar chama-se Ribatejo porque fica rio acima), que tem forte presença de uma planta, o sobreiro. Dela a cada 10 anos retira-se a casca e com ela são fabricadas milhões de rolhas. Portugal é o maior produtor de rolhas do mundo. É a nossa conhecida cortiça. Mas eles fabricam de tudo com a cortiça. Aventais, sapatos, bolsas, esculturas, cintos, bandejas, roupas... E o resultado é lindo. Quando viajamos pelo campo vemos os sobreiros depois da retirada da casca. Ficam com o tronco muito vermelho exposto, como se fossem as ovelhas tosquiadas da família das árvores. O legal é que o processo não prejudica a planta que 10 anos depois será novamente “tosquiada”.
Estou encantado com este lugar.
Recebam um abraço cortical.
Aureo Augusto

terça-feira, 21 de setembro de 2010

SOCIEDADE DE NATURALOGIA

Caminhando pelo centro da cidade antiga de Lisboa dei de cara com a sede da Sociedade de Naturalogia. Curioso, subi as escadas até o terceiro andar de um antigo prédio e encontrei um espaço com jeito de antigamente, mas com algumas modernidades, tal como um data show apresentando as atividades da instituição. Apresentei-me como médico que trabalhava na mesma linha deles, mas não deram atenção a isso, nem demonstraram nenhum interesse em partilhar. A sociedade é antiga e tem tradição, é reconhecida como de utilidade pública e faz muitos trabalhos, tais como cursos, passeios, palestras, tertúlias etc. Tem uma pequena biblioteca, sala de atendimento, livraria, restaurante. O ambiente é simples e tranqüilo. Tomei um suco centrifugado por um preço bem accessível e fui turistear. Uma hora depois comi no restaurante deles e estranhei o fato de não ter nenhuma salada. O arroz integral também estava muito duro. A variedade era pequena e o sabor deixava a desejar. Deu-me a impressão de estar em um restaurante macrobiótico, como o Gergelim em Salvador, só que a comida não era tão agradável.
Depois me deu vontade de descomer, como sempre. Procurei o retrete (também chamado de casa de banho ou wc) e estava muito feliz quando bateram na porta. Respondi que estava ocupado e uma voz feminina me informou que estava no banheiro errado. Fiquei constrangido e pedi desculpas, mas tinha que terminar o que havia começado.
Recebam um abraço constrangido.
Aureo Augusto

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

SOLIDÃO E REBELDIA

Estava no metrô e meus olhos alcançaram uma jovem sentada mais adiante. Linda, mas com o olhar perdido, distante enquanto escutava música pelos fones de ouvido. Estes objetos tornaram-se presença constante em todos os lugares. Pensava que eram moda apenas no Vale do Capão, que chegou como uma novidade. Não, em tudo quanto é lugar as pessoas perdem-se das outras, isolam-se do mundo, ensimesmando-se através a escuta da música dos MP-3, MP-4 (na verdade não sei qual é o número agora) ou dos celulares. Então resolvi observar as outras pessoas do vagão e havia nelas a mesma coisa. Todas as pessoas olhavam para o vazio. Mesmo aquelas que não tinham fones nos ouvidos.
Portugal tem algo de triste. Tem uma coisa melancólica nos portugueses. Por que será?
Cybele pensou que poderia ser por ausência de lazer. As pessoas aqui trabalham mais do que seria de se esperar, e apenas para garantir a sobrevivência, para, enfim, pagar as contas. Existem parques públicos lindos, tem o zoológico, o Parque das Nações etc. E vai muita gente. Mas mesmo assim, há um clima de que estas coisas são para de vez em quando. Conheci um brasileiro que trabalha de garçom. Ele está contente de estar aqui, porque ganha bem. Mas trabalha em um local pela manhã e parte da tarde e em outro, de parte da tarde até à meia-noite. Desconhece domingo como tempo de descanso. Disse-me que tem aluga um apartamento de qualidade e tem certos confortos, mas a um alto custo.
Uma coisa também que noto é que tendem a ser ordeiros. Nada de mal nisso, mas um pouco de rebeldia sempre pode ser útil e necessário. Parece-me que aqui a rebeldia não é a tônica. Mesmo entre os jovens. Alguns deles se vestem modernamente, mas não vi nenhum punk, ou riponga. Há uma ternura neles, mas uma ternura melancólica.
Será que perderam a esperança? Quero dizer: Será que após tantas revoluções pelas quais passou a Europa, tantas guerras, ditaduras e rebeliões, eles sentem que o essencial não mudou e, portanto, qual o sentido de mais algum ato rebelde? Talvez todas as revoluções tenham esbarrado no fato simples de que somos nós os seres humanos que as realizamos e não mudamos nelas, embora nelas mudem aqueles que assumem o poder. Na verdade, os últimos movimentos de rebeldia configuram-se, inclusive assumidamente, como modas, apenas modas. Pode parecer que isso seja triste, mas não é. Isso é o indicador de que precisamos fazer outro tipo de revolução. A mudança não é mais lá fora apenas. Aquele que quer mudar o mundo deverá (pelo menos) tentar mudar a si.
Recebam um abraço melancólico em consonância com este admirável mundo novo.
Aureo Augusto

domingo, 19 de setembro de 2010

MOZART E OS MEUS PÉS

A Fundação Gulbenkian está fazendo uma série de apresentações, filmes etc. sobre Mozart e neste momento acabo de chegar de uma das atividades, uma série de apresentações (duo de violino e viola, sonata, quinteto de cordas...) de músicas daquele grande músico, sempre com participantes da orquestra da Fundação. Não entendo nada de música, não sei distinguir um autor clássico de outro, mas gosto. O Improptus de Schubert é uma coisa maravilhosa, e me toca profundamente. Isso eu sei. Tenho a sensação de que a música é o máximo que o ser humano, enquanto ser humano como nós somos, pode alcançar. Quando Caetano canta “a sombra da encosta cor de laranja, capim rosa-chá...”, ou quando se exalta o coro no Carmina Burana, ou ainda quando delicadamente as vozes indígenas cantam Wakan Tanka, estas coisas me dão a sensação de que escutando estou mais próximo do Mistério. Ali naquele momento o mundo, o Universo, fica muito próximo. As montanhas ao redor de minha casa deixam de ser ao redor e recolhem-se dentro. Senti isso hoje escutando Mozart.
Claro que não deixei de reparar que os músicos usavam uns sapatos enormes e brilhantes. Caso quisesse pinta-los em uma tela, teria que fazer grossas pinceladas brancas ocupando metade dos sapatos para indicar-lhes o brilho envernizado. Também faltava uma lâmpada no palco. A platéia portuguesa, antes do espetáculo é igual à brasileira, bem barulhenta. Porém uma vez que começa o silêncio é tão intenso que dá para respira-lo. Peguei uma porção e guardei-a no bolso, para usar mais tarde. Claro que sempre há exageros. Em um certo momento mexi em um pacote de papel e naturalmente fez um ruído discreto. Uma mulher na frente deu um pulo como se tivesse estourado uma bomba de São João bem junto o ouvido dela e olhou como se tivesse sido pessoalmente insultada. Depois disso fiquei duro feito pedra, não me mexi nem um pouquinho e quando terminou aquela música estava com o ombro doendo. Aproveitei os aplausos e tirei o pacote do colo para poder me mexer de vez em quando. Aliás, os portugueses não aplaudem a toda hora, nos intervalos entre as partes das músicas eles sabem que a música não terminou e ficam quietos, ou melhor, aproveitam, entre um adágio e um allegro, para tossir, pigarrear, se mexer, isso bem rápido, pois antes da música recomeçar já estão em silêncio.
Mencionei sapatos e isso me faz lembrar de meus pés. Estão branco rosados, limpos como a muito tempo não os vejo. É que aqui ‘pelazoropa’ só ando calçado. Aí os pés vão perdendo aquela cor bufenta que só o Vale do Capão sabe dar. Até as velhas rachaduras dos calcanhares estão quase desaparecidas. ‘Tô com muita saudade de andar descalço.
Recebam um beijo mozartiano.
Aureo Augusto

sábado, 18 de setembro de 2010

A QUESTÃO DA ALIMENTAÇÃO

Quando comentamos com algumas pessoas que viríamos a Portugal foi unanimidade que teríamos problemas com a alimentação já que somos naturistas. Claro que fiquei um pouco preocupado com isso. Todos diziam que em Portugal o peixe é onipresente, mesmo nas saladas. Não foi isso que aconteceu.
Temos encontrado numerosos restaurantes com opções para vegetarianos, mesmo nos lugares típicos. Aqui tem uma comida típica, a pita, que é uma espécie de pão fino com um buraco no meio onde se coloca todo tipo de comida. Hoje fomos visitar o mosteiro dos Jerônimos, que é uma coisa inacreditável. Impressionante a igreja, sua altura de tirar o fôlego, o cuidado nos detalhes... O português, tenho notado, é dado à burocracia. Às vezes anotam coisas que observo não seria necessário, ou passam papeizinhos onde bastaria dizer tudo bem. Será que tal afeição pela picuinha vem do passado detalhista do período manuelino da arquitetura? Mas saindo desta viagem hipotetizadora e voltando para a alimentação, acho que o pessoal que nos disse que aqui não se comia natural não abriu os olhos. As saladas são sensacionais. A parte cozida não é tão boa, mas isso não significa que seja desprezível. Dá pra passar muito bem. Pois bem, você, leitor, acha que já me perdi no papo e que não vou mais falar da pita. Mas nem vem, pois retorno ao tema: Após ficar embevecido com a igreja e com o jardim interno, saímos a comer algo e no restaurante de comidas típicas ali estava a pita com recheio vegetariano, a escolher, ou seja, com diversas variedades. O pão não era integral, mas o recheio compensava. Aliás, pão integral é sumamente comum. Em quase todos os lugares onde comi, havia esta opção. A maior parte excelentes e os que não alcançam esta qualificação são muito bons, pelo menos. Notei que estou emagrecendo, mas não porque coma pouco e sim porque as saladas são tão grandes que acabo não me interessando pela parte cozida. Agora tenho comido coisas um pouco mais ricas em calorias para que não acabe “entrando na garrafa”, como se dizia antigamente.
Assim, caro amigo que procura alimentação natural, pode vir, que não vai se decepcionar.
Hoje também fui ver a torre de Belém. É linda, mas não fica mais no meio do mar como na época em que Cabral veio para o Brasil. Com o tempo a foz do rio Tejo estreitou de modo que a belíssima torre está ao alcance dos nossos passos. Havia pensado em pegar areia de perto da torre, para levar ao Brasil e dar de presente para as pessoas; afinal dali saíram os navios que colonizaram nosso país. Mas quando cheguei lá, não achei a areia muito limpa, também pensei que quase ninguém é assim tão amante de história e por último, a areia que estava aqui quando saíram os grandes navegadores portugueses dos séculos XV e XVI era outra. Vou ter que levar outra lembrança!
em 18 de setembro de 2010, desde esta lonjura mando uma lembrança para vocês!
Aureo Augusto

MUSEU GULBENKIAN e os JOVENS DE NEGRO

Hoje passei todo o dia no Museu Calouste Gulbenkian. Não dava pra fazer mais nada. Entre o Museu, a Biblioteca e o Centro de Arte Moderna as horas foram passando. No meio das visitas almocei no restaurante do museu que tem uma magnífica vista para um dos jardins, povoado de pássaros.
Cheguei antes da hora e me dediquei a passear, a me perder no meio dos jardins, com córregos e lagos repletos de nenúfares, patos, pássaros e pombos. Recantos secretos com bancos acolhedores apenas esperando-nos. Quando abriu o museu foi se descortinando centenas de anos da arte de nossos antepassados.
Calouste Gulbenkian foi um armênio nascido na Turquia, filho de pais ricos, tornou-se milionário lidando com petróleo. Na Segunda Guerra Mundial quis ir viver em um país neutro e escolheu Portugal onde viveu os últimos treze anos de vida. Gostou do país, o que não é novidade, dada a sua beleza e às maneiras dos nativos, e ao falecer doou toda a sua coleção de arte e uma quantidade de dinheiro inacreditável para a criação de uma fundação, que veio a receber o seu nome e que se dedica à educação e à arte entre outras coisas. Existem no mundo vários museus Gulbenkian. A fundação tem um importante papel no desenvolvimento da cultura em Portugal e no mundo, desde que foi fundada. O homem era ligado em colecionar objetos de arte e tudo o que está exposto é a sua coleção particular que tem desde moedas gregas do século V a.C. até a arte dos impressionistas franceses do século passado. Impressiona particularmente as moedas, tão pequenas e tão perfeitas e os azulejos turcos. Mas o que digo? Impressiona também as telas de Camile Corot e Turner, os dípticos em marfim do século XIV, os biombos, tudo! É coisa pra ver com muito cuidado, com muito vagar. E foi o que fiz e não fiz com tudo. Foi um dia ganho!
Antes de ir pro museu, encontrei mais uma vez os jovens vestidos de negro com longas capas, semelhando uma gente medieval. Desta vez parei-os para perguntar qual era a deles. Tratava-se de um simpático casal muito jovem. Explicaram-me que eles estudavam na Faculdade de Ciências e esta era uma tradição, vestir-se daquela maneira nos primeiros dias de aula. Não é obrigatório, porém eles gostam. Outras faculdades têm roupas diferentes. Acrescentaram que em Coimbra a tradição é ainda mais forte e são encontrados estudantes se vestindo como eles em muito maior quantidade. Parece que aqui eles gostam de estudar. Muito legal!
Um abraço, Aureo Augusto.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O CHAPELEIRO PORTUGUÊS (que não é louco)

Para mim Portugal tem a ver com chapéu. Melhor dito, tinha, e logo saberás (viu o acento lisboeta?) o porquê do verbo no passado. Acontece que na minha cabeça, sempre associei o país ao grande poeta Fernando Pessoa. Nada mais óbvio já que era português. E em todos os desenhos e fotos que conheço de Pessoa, sempre ostentava um chapéu. Por isso pensei que estando aqui logo encontraria lojas e mais lojas de chapéu e todas as pessoas nas ruas estariam com chapéus na cabeça e não bonés como em tudo quanto é canto hoje em dia. Como o meu chapéu está bem velhinho, pensei que aqui encontraria outro, barato e de boa qualidade. Para minha tristeza o que mais vi foram os onipresentes bonés. Nem uma única loja de chapéus. Aliás, nenhum português de chapéu. Só então me dei conta de que Fernando Pessoa era de uma outra época, na qual todos usavam aquele objeto, hoje visto como anacrônico, mas que para mim não é, haja vista o sol que arde cada vez mais nestes tempos de camada de ozônio mais tênue. Mas a realidade é que a nossa mente faz umas coisas! Não é que tenha feito conscientemente a associação. Mas fiz, lá por baixo do pano, por dentro das gavetas fechadas que se comunicam entre elas de um jeito que as maçanetas e os puxadores não sabem. A mente faz umas associações estranhas e nem percebemos. Há que tomar cuidado com a mente.
Hoje saí com o desejo de, além de ver as belezas daqui, comprar o meu chapéu porque o sol tem sido bem forte e fico procurando as marquises. Chapéu para mim é uma marquise portátil, o que é muito legal. Fui para a Lisboa antiga e pergunta daqui, pergunta dali, descobri a única chapelaria. Ali encontrei uma senhora já de alguma idade, em uma loja com um jeito dos anos 1920. Ela e a loja eram feitas uma para a outra. Delicada me atendeu e mostrou-me os vários modelos masculinos. Escolhi um. Ela sorriu e me disse que este era o modelo usado por Fernando Pessoa. Depois, como não tinha um que desse bem em minha cabeça ela colocou dentro do chapéu uns pedaços de cortiça de modo a que ficasse justo, mas não apertado. Sua mão tremia muito e por isso a ajudei. O preço foi o mesmo que aquele que encontro na Bahia, quando compro na mão de um português que já foi mascate e vendia seus produtos no Vale do Capão de antigamente.
Saí feliz com meu chapéu de Fernando Pessoa!
Aliás, por coincidência encontrei o primeiro lisboeta de chapéu. Um sujeito com a cara toda enrugada, cabelos canosos, olhar esquisito, todo vestido de negro, do sapato à gravata, paletó e ao chapéu. Ele me olhou e quando passei por ele, perguntou: “Marijuana?”. Então entendi o porquê do seu aspecto decadente. Segui meu caminho. Espero que a partir de agora eu não faça uma associação entre chapéu e venda de drogas!
Um beijo para todos.
Aureo Augusto

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O TAXEIRO AUTÔNOMO

Ontem aconteceu uma coisa que merece registro: Vínhamos, Cybele e eu, voltando de uma entrevista com uma pessoa maravilhosa, Sérgio Niza, um grande educador português, que ademais, é um homem suave, agradável, aberto, humilde e dono de si, coisas que percebi nas horas em que passei assistindo silenciosamente ao diálogo dele com Cybele. Poderia comentar muito tempo as impressões que o educador me causou, mas agora prefiro falar do motorista de táxi que nos trouxe. Ele escolheu o caminho, porque pensou que era o mais rápido, pois o outro caminho prometia ter mais engarrafamento. Porém acabou que havia um tremendo congestionamento no caminho que havia escolhido. Ficou bem aborrecido – como, aliás, freqüentemente acontece com os portugueses, principalmente no tráfego – com o fato e nos explicava que seu erro foi não se lembrar de um jogo de futebol que ocorreria naquela hora. Ficamos com receio que o taxímetro saltasse sobre nós e arrancasse todos os euros que tínhamos no bolso, já que os carros mais paravam que andavam. Então, em certo momento o motorista nos explicou que desligaria o taxímetro porque ele fora o responsável único pela decisão de ir por aquele caminho.
Ficamos estupefatos com sua atitude. Uma coisa temos notado aqui em Portugal: Há uma tendência entre eles a assumir a responsabilidade pelo que propõem e pelas decisões que tomam. Dá-me a impressão que aqui na Europa não é como no Brasil, onde adoramos jogar a culpa nos demais, inventar desculpas. “Ah! Foi o tempo”, dizemos. Ou foi tal pessoa que nos atrasou. Acho incrível se desculpar por haver chegado atrasado porque o tráfego está apertado ou porque tem filhos a cuidar. E se perder o emprego, o que serão dos filhos? Seguramente já não terá problemas com o tráfego. Mas não terá como comer e comprar roupa. Há uma mulher que conheço que de vez em quando começa a me contar seus problemas. Abestalhado que sou, comecei a sugerir-lhe saídas. A cada proposta que lhe fazia ela encontrava impedimentos. Com o tempo percebi que ela só quer que eu finja que é uma coitada. Sou um cara obediente, mas aí já é demais. Não finjo, mas não lhe dou mais dicas. Apenas escuto.
Nós, na América Latina, gostamos de lançar invectivas contra o capitalismo, os americanos, os colonizadores... Todos estes têm seus defeitos, mas perdemos muito tempo culpando-os. Melhor seria assumirmos nossas responsabilidades. Ontem fui à biblioteca da Faculdade de Psicologia e na saída encontrei uma banca com livros e revistas que a biblioteca oferecia gratuitamente a quem quisesse levar. Peguei uma revista em quadrinhos africana com diversas histórias educativas e em uma delas um pai cachaceiro mandava o filho comprar bebidas para ele. Um dia o filho foi aliciado por um traficante de drogas e mudou de ramo. Passou a ser “avião” apesar (ou talvez por isso mesmo) de ainda ser uma criança. Numa dessa, indo ao ponto das drogas, a polícia chegou e houve um tiroteio e o menino morreu crivado de balas. Quando seu pai soube da notícia, entre um trago e outro comentou que aquele menino não tinha futuro e acrescentou: “Também com a mãe que tem”. Este é o método subdesenvolvido de encontrar explicações para as coisas. Esta é a forma colonizada que permanece colonizada. É fácil ter alguém lá fora para culpar e eximir-se de qualquer responsabilidade.
O taxeiro português, que por sinal cheirava a álcool e dirigia horrorosamente, podia ter lá seus defeitos, mas responsabilizava-se pelas suas decisões e por isso merece nosso respeito.
Recebam um beijo português.
Aureo Augusto
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QUASE TODOS OS PALESTRANTES ERAM CARECAS

Quase todos os palestrantes eram carecas, o que me fez pensar que estava mais ou menos em casa, já que seguindo a linha genética familiar materna, meus cabelos estão cada vez mais rareando. Estava em um encontro interessantíssimo: Narrative and Medicine: Illness and Dialogue, International Conference, ocorrido na Universidade de Lisboa. Embora estando em Portugal, todas as conferências foram pronunciadas em Inglês, que parece ser a língua dos carecas, uma vez que a maior parte das pessoas do sexo masculino presente se já não era estava a caminho da calvície.
Apesar de me estar encaminhando ao clube, a verdade é que não falo inglês e, portanto não entendi nada da International Conference. Salvou-me algum material escrito que foi distribuído e o site do evento (tudo em inglês, porém mais fácil). Admira-me nos portugueses esse desejo da cultura, que não sei se é disseminado, mas na sala todos falavam e entendiam a língua estrangeira o que é louvável. Notei que até no intervalo, muitos dos portugueses falavam entre no idioma dos anglos saxões e isso mostra como são versados nela. Considerando-se que o inglês hoje em dia é como o grego nos tempos do Helenismo e depois, na parte oriental do Império Romano, ou como o latim, na parte ocidental do mesmo império e depois da queda deste, na Idade Média e mais além, uma língua universal, que todos aqueles que se letravam cultivavam ademais da língua materna, bem que vale conhecer a língua de Shakespeare.
Antes de ontem tive a experiência de manter um entrecortado (pela expressão: repeat please) e difícil com um rapaz holandês que também está turisteando por Lisboa e arredores. Falamos a língua internacional, porque nem ele conhecia o português, nem eu o holandês. A conversa começou quando me perguntou:
- Do you speak english? E respondi-lhe:
- Ai donti nou.
Mas, apesar da nossa tupiniquim tendência (e ibo, descobri recentemente) a acrescentar um “i” ou um “e” a cada consoante muda, ele demonstrou compreender que moro no centro exato da Bahia, em uma montanha muito agradável e bela, repleta de cachoeiras. Percebeu também que considero o mundo como um todo uma coisa maravilhosa. Também descobri que ele trabalha na bolsa de valores, que jamais virá ao Brasil porque tem medo de avião, mas um seu amigo se mudou há pouco para Salvador, onde pretende residir até o fim dos tempos. Conversamos sim e entendi algo, mas saí da conversa com vontade de saber comunicar-me em inglês. Hoje a vontade se acentuou porque perdi muito da discussão que estava a assistir (já estou escrevendo do jeito de falar do lisboeta). Tampouco me beneficiei das perguntas e respostas que se seguiam às falas.
Um abração para todos em 15 de setembro de 2010,
Aureo Augusto

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

UM CASTELO MUITO LOUCO!

Hoje foi um belo passeio. Conheci um lugar bem especial, lindo. A cidade de Sintra. Ali visitei o Castelo da Pena que não posso nem dizer que é bonito, porque antes de mais nada é uma salada de vários estilos arquitetônicos de diversos países. O castelo foi construído por Fernando, um príncipe alemão que se casou com a portuguesa Maria, que veio a ser rainha. Esse Fernando, embora apenas príncipe consorte, teve um papel importante no estabelecimento de um padrão de qualidade para os vinhos do Porto, entre outras coisas. E, também, aproveitou um antigo mosteiro de freiras, do século XVI, e o ampliou para ser seu palácio de verão. O lugar impressiona. Está bem no alto da Serra de Sintra, a 600m de altitude e para chegar lá há que percorrer uma estrada estreita, íngreme e sinuosa, que corta uma bela floresta. O trajeto prepara-nos para a experiência de conhecer uma construção que foi concebida quase que como um artista moderno cria uma instalação. O rei e seu arquiteto dão a impressão que tomaram LSD enquanto bolavam a edificação. Quando entramos, depois de passar por uma porta encimada por um ser monstruoso, encontramos diversos quartos, salas, passagens, tudo profusamente decorado, em vários estilos, com uma infinidade de detalhes, ouro, conchas, prata, pedras, trompe l’oil, pinturas, papel de parede, tecidos. No caminhar surgem ogivas de onde descortinamos paisagens belíssimas, ou pátios encantadores. Uma sala tem a ver com a Índia, outra com a China, uma terceira é calcada nos mouros e por aí vai. Tudo encantador, mas ao mesmo tempo me senti um pouco cansado por não ter um lugar vazio para descansar os olhos. Creio que o rei e a rainha eram obrigados, e quando em vez a sair de casa, para abrigar-se de tal magnitude de estímulos, indo ver o verde homogêneo (se comparado com o interior dos cômodos) da mata. Fiquei me perguntando o por quê de tal profusão de coisas para ver, tocar, palpar. Por que tanta necessidade de estímulos visuais? Como seria a vida daquela gente? Um casal real deve ter muito que fazer. Bom, talvez não se cansassem porque ficavam ali apenas no verão. E Fernando era adepto da caça – aliás, tem uma sala dos veados, decorada com as cabeças empalhadas das vítimas do cara. Os caçadores por esporte são um tanto macabros. Mas, dizia, era adepto da caça e com certeza ficava a maior parte do tempo fora do lar. Estas coisas pensei, mas é provável que o casal achasse tudo aquilo muito natural. Afinal era outra época.
Depois fui a conhecer a cidade, que é muito aprazível. Ali tem outro castelo. Aliás, aqui não falta esta onda de castelo! Este outro castelo é o Palácio Nacional de Sintra, do século XIV com adições do século XVI. Bem mais simples, mais bem comportado. Mesmo assim com umas salas lisérgicas, como a sala dos brasões, que se você olhar muito pode entrar em transe. Vi também o castelo dos mouros, do século XII, do qual só sobrou parte dos muros e, de longe, um castelo feito por um inglês, também uma mistura romântica de estilos vários. O inglês quando morreu deu o prédio para Portugal. Parece que este país liberava a loucura de gentes de outras partes... Será que Portugal é assim como um Brasil da Europa?
Recebam um abraço deste outro lado do Atlântico.
Aureo Augusto

FITAS DE SENHOR DO BOMFIM em Portugal!!!

Portugal é impressionantemente variado no que respeita os aspectos étnicos. Gente de tudo quanto é parte do mundo aqui está representada. Todas as cores, estilos, e, nas comidas, sabores a enriquecer a já tradicional variedade local. Aliás, a turma aqui gosta de comer!
Mas fiquei muito impressionado quando descobri que a diversidade aqui é tal que encontrei em duas oportunidades em lojas de artesanato, ao lado dos produtos alentejanos e de Trás-os-Montes, as fitas do Senhor do Bomfim da Bahia. Imagine você! Da Bahia!
Beijos

sábado, 11 de setembro de 2010

OS NATIVOS DE LISBOA, PRIMEIRAS IMPRESSÕES.

Os nativos são pessoas muito parecidas conosco, brasileiros. Talvez porque somos, em muito deles descendentes. Porém há uma salutar mistura de povos aqui em Lisboa. É bonito ver angolanos com suas vestes coloridas, mulheres hindus com seus panos enrolados pelo corpo, gente das ilhas etc. Além destes a fauna impressionante dos turistas de tudo quanto é lugar do mundo, inclusive nós, Cybele e eu, mas, principalmente, holandeses, belgas e alemães. Pelo que temos reparado até agora, os portugueses são frios e mesmo um tanto ríspidos em um primeiro momento. Mas em minutos se tornam receptivos e acolhedores. Gostam de ensinar o caminho ou contar alguma coisa – às vezes fazem muitos rodeios para responder a uma coisa simples. Mas fazem isso de bom grado. As poucas vezes que comparamos Lisboa com Salvador, eles demonstram que não ficam felizes com estas comparações. Em certo momento quando um lisboeta me explicava que tem a cidade alta e a cidade baixa, exclamei que em Salvador era assim também; ele me cortou de imediato, dizendo que era diferente. Não insisti.
São agradáveis, mas há algo de nervoso nos lisboetas. Talvez por conta disso as calçadas estão lastradas de pontas de cigarros. Fiquei impressionado com a quantidade de gente que fuma. No tráfego, são um pouco bruscos; e não apenas os taxeiros. Freiam e aceleram, manobram com uma postura irrequieta, pelo geral. Fico curioso para ver como são os portugueses do campo. Será que esta coisa inquieta e brusca é fruto do progresso, da azáfama natural dos grandes centros?
Hoje fui com Cybele ver o Oceanário. Uau!!! Extraordinário, maravilhoso, exuberante. Aliás, o Parque das Nações onde está situado é impressionante. A gente sai do Chiado ou da Alfama, que são bairros antigos e cai no século XXII. Parece que entramos em um filme de ficção científica. O contraste acentua a beleza. Então entramos no Oceanário e nos deparamos com um aquário gigantesco, com centenas de peixes de todos os tamanhos nadando com aquela placidez que a água transmite. Há um silêncio... Os peixes aproximam-se do vidro ostensivamente, principalmente as arraias, os linguados e os bacalhaus. Parece que têm curiosidade conosco, a mesma que temos com relação a eles. Além deste superaquário, ainda temos inúmeros outros ambientes marinhos, correspondendo aos diversos oceanos, a locais mais ou menos profundos, recifes de corais, habitat de pingüins (com visão acima do nível da água e por baixo, quando podemos vê-los em seus mergulhos), mangue etc. É impactante. Principalmente pelo silêncio que inspira (apesar do ruído das crianças e dos sons guturais dos turistas). Em alguns momentos as pessoas retiram-se para um silêncio de peixes, não todos, mas muitos, alguns mais do que os demais. Havia um jovem oriental, provavelmente japonês, assim me pareceu, com roupas modernas e abundância de tecnologia. Notei o quanto ele silenciava junto aos peixes. Ficávamos Cybele, eu e ele em muitos momentos parados enquanto a multidão se movia como ondas castigando os arrecifes.
Visitamos também o zoológico, que tem muitos animais, mas como os demais zoológicos que conheci, me dão uma sensação opressiva, algo me dizendo que tem algo errado ali. Toda definição refere, não apenas ao objeto em si, mas também ao seu entorno. Um elefante na selva é igual a um elefante sobre o cimento ou o saibro cercado? Estas palavras não remetem críticas, apenas revelam pensamentos.
Uma coisa é certa, as girafas têm olhos sumamente ternos.
Recebam um abraço carinhoso de Aureo Augusto.

VIAGEM A PORTUGAL

VIAGEM A PORTUGAL – PRELIMINARES
Esse negócio de ficar 12 horas voando sobre o mar, não é uma coisa das mais atrativas. Bem, segundo Cybele é 8 horas, mas pra mim continua sendo 12 porque saio daqui às 18 horas e chegou lá às 6 horas, ela fica me explicando as coisas do fuso horário, mas não sou muito bom para entender o tempo dos homens. Pra mim continua 12. Sou capricorniano típico. Terra. Gosto de terra e sentir a variada configuração do solo sob os meus pés descalços é uma das mais gratas experiências pelas quais passo. Uma vez chegou um francês no Vale do Capão, Jerome. Ele gostava de pular de cima das serras com um pára-quedas pequeno. Era incrível e eu admirava sua coragem. Quando conversava comigo, o francês alucinado sempre me convidava para me jogar também. Afirmava-me que era seguro, e repetia: muito seguro. Perguntei-lhe se já havia sofrido algum acidente e ele me confessou que já quebrara a perna quatro vezes. Sentiu o drama? Quatro vezes!!! Seguramente seguro!
Outro amigo queria que me jogasse de pára-quedas de avião. Imagine? Pior ainda. Além de me jogar no ar, de uma altura muito maior! Não sou completamente avesso à aventura. Adoro me jogar no rio, desde que a altura da pedra não seja muito grande. Também me aventuro pelos Gerais em minhas caminhadas... Talvez este não seja o conceito mais usual de aventura. Porém até aí vou, não muito mais além.
Agora estou olhando as pessoas se acumulando no saguão do aeroporto, esperando a chamada. Riem, conversam olham o vazio enquanto escrevo. Logo todos nós estaremos milhares de metros sobre o mar, por muitas horas. Em 10 minutos vamos embarcar, acaba de anunciar uma voz masculina. Ainda bem que estou com a barriga cheia.
em 8 de setembro receba um abração de Aureo Augusto