sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

MEDICINA OCULTA NO COTIDIANO 20

EXPLICA-SE TUDO
Joseph Campbel cita uma brincadeira de Robert Bly com as palavras do extraordinário René Descartes: Cogito Ergo Sun. “Penso, logo existo”, disse Descartes, ao que Bly acrescentou: “Penso, logo existo. A pedra não pensa, logo não existe” (1). Campbel, Bly e René, como sempre, estavam cobertos de razão. Razões, todos temos; tantas! Há razões para tudo, para cada coisa sua explicação. Todas elas, no mínimo incompletas. No geral falsas. Gosto de estudar, e o faço com afinco, as idéias dos grandes sobre todas as coisas. Os filósofos explicaram muitas coisas, assim como os cientistas e os religiosos. Interessante é que se desdizem com grande freqüência e, cada um vai antevendo sua parte da Verdade; abre uma janelinha, onde vê um pedaço do Todo. A partir daí labuta para derrubar as idéias dos outros, às vezes até com maior trabalho do que aquele usado para alcançar a compreensão alcançada. O mundo é isso. O universo funciona assim. Religião, filosofia e ciência ensinam muito, porém revelam pouco de um mundo muito mais misterioso do que o muito que ensinam. Os psicólogos evolucionistas são uma piada; os behavioristas são uma piada; os psicanalistas freudianos e lacanianos são uma piada; os filósofos racionalistas são uma piada; assim também os empiristas e os materialistas dialéticos e os espiritualistas; os cientistas são uma piada; eu sou uma piada! Os físicos estão labutando para encontrar uma força que unifique as quatro forças fundamentais (eletromagnetismo, nuclear forte, nuclear fraca e gravidade). Tenho certeza que se possível alcançarão tal intento. Confio neles, embora eles sejam uma piada. Ocorre que não basta tal unificação. Ocorre que o cogito ergo sun não é suficiente. Nada é suficiente porque o ser humano, o sabiá cujo canto acabo de escutar lá do outro lado da janela, a estrela que ilumina o dia e as demais que adornam o vestido da dama noite, a formiga célere caçando alimento, os morangueiros produzindo (obviamente) morangos, bem, todas as coisas e cada uma delas, são além da nossa possibilidade de explicar. Sou cético. E que não se pense que nisso há condenação àqueles que estudam, que explicam. Bebo-lhes as explicações com sedenta sede de saber. Sua sabedoria é, para mim, saúde. Somos nós, seres humanos, entes curiosos, não como um prazer apenas, mais como uma necessidade intrínseca. Sou assim, humano. Penso que é capital a importância de buscar explicar tudo. Ademais concordo com S. Pinker , quando diz que o nosso aparato neurológico é incompetente per si para compreender o todo e mesmo para compreender a si mesmo (2). Mas tampouco creio que um dia nos encontraremos em um beco sem saída. Acredito que somos tão parte deste mistério que é o mundo que somos dele resumo. Em nós ele está e, portanto, o apreendemos em nosso cotidiano, mesmo que não o percebamos. Pinker e outros especulam sobre o observável, Kant e outros especulam sobre o inominável. Todos têm razão. É que tão grande é o mundo que abarca a todos. Falta-nos com freqüência o reconhecimento de que não passamos de uma piada. Por isso, em excesso, nos levamos a sério; muito mais do que devíamos. No que concerne a mim, é uma pena que a maior parte do tempo não tenha esta consciência de que sou uma piada. Perco tempo em demasia levando-me a sério.
Aureo Augusto.

1.Campbell, Joseph, Reflexões Sobre a Arte de Viver, Gaia, São Paulo, 2001.
2.Pinker, Steve, Como a Mente Funciona, Cia das Letras. Vale, e muito, ver o que sobre ele diz, com razão, John Horgan in A Mente Desconhecida, Cia das Letras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário