terça-feira, 7 de julho de 2009

O CHORO DE DITINHA

Há alguns dias não coloco nada no blog, é a vida bucólica do campo! Vocês pensam que aqui é somente contemplar a maravilhosa natureza? Ledo engano! Sim contempla-se, mas também rala-se...
Hoje, terça-feira, é dia de atendimento extra-muros no PSF. Assim, uma terça vou para Lavrinha, povoado muito pequeno, mas que foi o primeiro assentamento (não indígena) de Palmeiras, na outra vou pela manhã a Conceição dos Gatos e pela tarde no Rio Grande (outros povoados). Vamos juntos Gleiton, o enfermeiro e coordenador do posto, eu e o motorista Marivaldo – um cara muito legal. Hoje demos carona por um pequeno trecho a Neide, Agente Comunitária de Saúde, por sinal, das melhores. Retornando das férias, nos contou que foi a Salvador mostrar o mar aos filhos e que eles ficaram sumamente felizes no Porto da Barra. Enquanto ela contava pensei comigo no como o Vale do Capão mudou. Neide e Roberto são um dos mais belos casais aqui do Vale. Jovens, mas já com três filhos, têm uma casinha linda e construíram no terreno deles uns quartos para alugar aos turistas, tudo com um bom gosto bom de se ver. Tudo que fazem é bem feito. Ele cuida de abelhas e desde pequeno é especial. Lembro quando o conheci, mirrado, chegou só na consulta, sem nenhum adulto de companhia. Admirei-me. Naquela época o povo era mais desacostumado das novidades e os pequenos eram bem mais tímidos. Mas ele, muito seguro, foi bastante claro no explicar seus sintomas e mostrou que entendeu facilmente a terapêutica. Nunca deixou de ser sempre alegre e bem disposto, pelo menos nunca que eu saiba. Ela, inda bem pequenininha veio morar perto de minha casa e lhe presenteei com linha para tricô. Logo estava mostrando seus trabalhos. Quer ver um casal prendado? Procure Roberto e Neide.
Mas em meu coração dava uma alegria de ouvir ela contar dos meninos na praia. É que me veio a lembrança de uma vez, faz muito tempo, em que em Lençóis ocorreu um show com a participação de Elomar e de Xangai, creio que promovido pelo S.O.S. Mata Atlântica. Foi uma turma aqui do Capão e chamei Etevaldo e Ditinha, vizinhos queridos (ele já foi embora desta vida, levado por seqüelas de um encontro com a cabeça-de-capanga, cobra de má fama). Comentei de Ditinha neste blog há alguns dias. Fomos do Capão a Lençóis em uma caminhada muito longa, onde me banhei em tudo quanto foi poça d’água. Trilha bonita, Etevaldo conheci-a bem, porque muito ia levar coisas pra vender na cidade e por isso mostrava isso e aquilo de interessante, em seu jeito de falar quase sem falar, porque era um homem tímido. Lá chegando fomos assistir a música e Ditinha deu pra chorar. E chorava e não parava. Preocupado perguntei o que havia. Ela me disse que aquela era a primeira vez em toda a sua vida em que saía pra passear. Nem ela nem o marido jamais haviam feito algo que não fosse trabalhar, cuidar da roça e da casa, ir a Palmeiras ou Lençóis vender e comprar, ir e voltar, cangalha, bruaca e trouxa.
Um dia que vocês vierem no Capão, venham ver Ditinha pra terem uma idéia do que era ela dizendo estas coisas com os olhos de mar (um mar que há milhares de anos deixou que o sol encontrasse o solo da Chapada). Uma cena destas que valem pelo que são e fazem com que o momento vire-se em algo que só pode ser chamado de mágico e se signifique a si mesmo. Olhando para ela e escutando a voz engraçada dela e o jeito dela, talvez sintam um pouco do que senti.
E pensei hoje no como agora as coisas são tão facilitadoras da vida. Roberto e Neide puderam jogar-se na água do mar bem longe e rir com seus filhos, virar criança com eles. Mas os pais deles e os pais dos pais, quando podiam dar-se ao luxo de brincar com os filhos?
Não sei se Ditinha escutou a música. Sei que nunca se esqueceu.

Em 7/7/09 – Recebam um abraço carinhoso.

Um comentário:

  1. Emocionante texto.

    Como sempre, Dr. Aureo.

    Agradeço em nos trazer o Capão, de forma simples e natural.

    Abraços

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